A vocação suicida da elite. Por Eleonora de Lucena
A natureza colonial de nossa elite, antes de significar a adesão à
metrópole, implica a renúncia à ideia de ter um destino próprio. Ela
não se vê e não se quer como parte –...
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A
natureza colonial de nossa elite, antes de significar a adesão à
metrópole, implica a renúncia à ideia de ter um destino próprio. Ela
não se vê e não se quer como parte – privilegiada que seja – de uma
nação, para o que é necessário compreender pertencer a um povo.
Num rabisco sociológico, não tem
sentimentos de pertença – de ligação natural, de mesmo heterogênea,
fazer parte de uma coletividade nacional. O prior, ainda seguindo este
esboço, é que esta elite serve como referência para um grupo imensamente
– e ponha imensamente num país com o grau de urbanização e o tamanho do
Brasil – que a elas imita, porque a ele quer e crê pertencer.
Duro, mas preciso, o artigo da
jornalista Eleonora de Lucena, na Folha de hoje, é um retrato agudo do
comportamento desta elite, que não é apenas suicida, porque mata, ou
tenta matar ao longo da história, a vocação do Brasil para ser uma das
grandes – e certamente a de mais “biodiversidade” humana – nações deste
planeta.
Escracho
Eleonora de Lucena*, na Folha
A elite brasileira está dando um
tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos
fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos,
abandona qualquer esboço de projeto para o país.
Não é a primeira vez. No século 19,
ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma
contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada,
percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que
impulsionaram a industrialização.
Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria,
aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média
mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares.
Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão social
geram lucros.
Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.
Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.
Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.
Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.
Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.
O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.
O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.
Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.
Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.
A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de “Fora, Temer!”. Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a “teologia da prosperidade” talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.
*Eleonora de Lucena é repórter especial da Folha e foi Editora-executiva do jornal de 2000 a 2010
Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.
Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.
Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.
Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.
Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.
O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.
O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.
Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.
Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.
A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de “Fora, Temer!”. Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a “teologia da prosperidade” talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.
*Eleonora de Lucena é repórter especial da Folha e foi Editora-executiva do jornal de 2000 a 2010
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