Esquerda escolhe hoje entre geringonça à francesa e social-democracia do poder
Com poucas possibilidades de sucesso sem compromissos pré-eleitorais, o candidato que sair vencedor desta segunda volta das primárias da esquerda terá de encontrar aliados caso queira chegar ao Eliseu. Seja Hamon ou Valls.
Com
poucas possibilidades de sucesso sem compromissos pré-eleitorais, o
candidato que sair vencedor desta segunda volta das primárias da
esquerda terá de encontrar aliados caso queira chegar ao Eliseu. Seja
Hamon ou Valls.
Laura Slimani e
Alexandre Leroy têm ambos 27 anos, são de esquerda mas estão em lados
opostos da barricada. Slimani é a porta-voz de Benoît Hamon e LeRoy
lidera o comité de apoio a Manuel Valls. Representam a divisão na
esquerda francesa entre qual o melhor caminho para o Partido Socialista
continuar a ser uma força relevante. Ou abraçar o idealismo que roça as
ideias da extrema-esquerda ou optar por uma terceira via que levada ao
limite pode tocar a retórica da direita mais conservadora.
Com
a polarização de candidatos e a clivagem à esquerda, quem quer que saia
vencedor da segunda volta das primárias neste domingo terá de começar a
procurar apoios - as sondagens apontam que o PS tem 7% a 10% das
intenções de votos dos franceses. Hamon vai falar com a
extrema-esquerda, procurando convergências com os ecologistas, mas
também com Jean-Luc Mélenchon, do Partido Comunista, numa manobra que
faz lembrar o atual governo português. "O que está a acontecer em
Portugal é muito interessante e o caminho escolhido pelo PS da unidade à
esquerda e de apresentar um projeto de esquerda é o tipo de ideia que
Hamon tem para a França. Haverá discussões muito rapidamente. Talvez
Valls consiga falar com Macron, mas com o resto da esquerda duvido",
explicou Slimani ao DN.
O cenário de
uma aliança com a extrema-esquerda não agrada à campanha de Valls. "É
verdade que os partidos socialistas estão pressionados quer à direita
quer à esquerda por posições extremas de quem nunca esteve no poder e
que têm de se reinventar, mas não vai ser com as ideias da
extrema-esquerda", disse LeRoy ao DN. O jovem que tem a responsabilidade
de reunir apoios para Valls considera que "é ótimo sonhar" mas que a
esquerda é "mais útil quando consegue concretizar esses sonhos chegando
efetivamente ao poder" e isso não acontecerá se o candidato socialista
falar "apenas para as pessoas à esquerda da esquerda".
Duas visões do PS
"Valls
é favorável a uma visão da esquerda que me deixa muito preocupada.
Parece que essa esquerda está a dar cada vez mais espaço às ideias da
direita", garante Slimani. Ex-presidente da Juventude Socialista em
França e presidente dos Jovens Socialistas Europeus, Slimani juntou-se a
Hamon pela afinidade de percursos - o candidato foi também presidente
dos jovens do PS francês -, mas também pela semelhança de ideias. "É
interessante ver o conteúdo em comum entre os jovens socialistas e as
propostas de Hamon, nomeadamente a importância das regras orçamentais -
que consideramos ser demasiada -, mas também a redução dos horários de
trabalho e a legalização da canábis", diz. Hamon, ex-ministro da
Educação de François Hollande, ganhou a primeira volta das primárias à
esquerda com 36,67% dos votos e com uma vantagem de quase 5% face ao
ex-primeiro-ministro Manuel Valls.
Alexandre
LeRoy conheceu Manuel Valls à mesa de negociações, mas de lados
opostos. Até setembro de 2016, foi presidente da Fédération des
Associations Générales Etudiantes (FAGE), uma associação que representa
quase 300 mil alunos do ensino superior em França e as reuniões em
Matignon nem sempre foram fáceis. "Cruzámo-nos por causa da lei do
trabalho e a FAGE estava contra a primeira versão do texto. Não foi uma
reunião fácil. Mas gostei da sua franqueza e de ser direto em relação ao
que se podia e ao que não se podia fazer." Em dezembro recebeu a
chamada do ex-primeiro-ministro a convidá-lo para a sua equipa e ficou
surpreendido, até por não ser militante do PS - embora se identifique
como socialista.
Valls tem-se
apresentado como a melhor hipótese de prosseguir o trabalho da esquerda
no governo, mas a associação à impopularidade de Hollande - foi
primeiro-ministro durante metade do mandato - e aos seus insucessos
estão a dificultar a tarefa. "Há muitas pessoas que criticaram o governo
de Valls e eu também o fiz, mas vemos agora os efeitos positivos nos
números do emprego e houve um investimento acrescido nos jovens.
Conseguiu-se o casamento para todos e não nos podemos esquecer que
enfrentou os ataques terroristas, a meu ver, de forma equilibrada",
lembrou LeRoy.
Os temas de Hamon têm
gerado polémica no PS, nomeadamente a questão do rendimento universal. O
candidato defende que cada pessoa em França, seja qual for a idade ou
os rendimentos, passe a receber 750 euros por mês. É também favorável à
introdução da eutanásia, à liberalização do consumo da canábis e da
procriação medicamente assistida para todos e barrigas de aluguer. Para
Slimani, estas são as respostas para os problemas reais dos franceses:
"A visão de Hamon é progressista e talvez seja radical porque vai às
raízes dos problemas e não tenta apenas fazer pequenas mudanças."
Alexandre
LeRoy rejeita a possibilidade de um rendimento universal em França. "A
mim o que me assusta nem são os custos. É mesmo a questão ideológica.
Durante anos fui responsável numa associação de estudantes
universitários e tenho medo de que com a proposta do rendimento
universal se esteja logo a pôr de parte pessoas com menos estudos ou com
menos facilidade de integração no mercado de trabalho. Com essa medida,
as pessoas passam a ficar em casa. O que Valls diz é que não se pode
baixar os braços face à pobreza e propõe o aumento do rendimento mínimo
para 850 euros", afirmou o jovem.
Em Paris
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