AFP / SHAH MARAI
Conselheira atende
ligação na linha direta para jovens existente em Cabul, que recebe
diariamente centenas de ligações de jovens afegãos com problemas
"Não consigo sem viagra", murmura um jovem afegão ao
telefone, preocupado de que a sua família o ouça. Do outro lado, uma voz
pausada o tranquiliza em tom profissional: "Querido irmão, não se
envergonhe. Você não é o único. Vamos te ajudar a resolver o problema".Na sociedade afegã, conservadora e com uma forte segregação de gênero, falar de dificuldades sexuais é culturalmente impensável, quase uma perversão. Mas agora a juventude pode encontrar ouvidos e conselhos para seus problemas de ereção ou de homossexualidade.
"Se você pede conselhos sobre impotência a um amigo ou familiar, imediatamente te consideram um imoral, sem-vergonha ou afeminado", diz à AFP este jovem, na casa dos vinte anos. "Este serviço é uma bênção", acrescenta.
Os ouvintes também oferecem conselhos para os amantes rejeitados ou sobre temas delicados, como depressão e casamentos forçados.
Mas 70% das ligações são sobre transtornos de sexualidade, afirma o diretor do centro, Abdulá Shahed. "Os jovens ligam para falar de tudo, desde masturbação até ejaculação precoce", conta à AFP.
"E as mulheres jovens ligam para discutir contracepção, himens rasgados e o medo de enfrentar a noite de núpcias", diz.
Abuso de Viagra
A juventude afegã da chamada "geração 11 de setembro", nascida depois da intervenção americana que derrubou o regime talibã em 2001, costuma ficar divida entre a modernidade e a tradição, entre seus desejos sexuais e sua vontade de ser puritanos religiosos.
Mais de 60% da população tem menos de 25 anos, um número assombroso num país onde a educação sexual é inexistente nas escolas e os conselheiros sexuais são culturalmente descartados como um conceito ocidental.
O casamento é muitas vezes a única possibilidade de saciar o apetite sexual, porque o namoro, assim como qualquer forma de interação entre sexos opostos, são desaprovados. Mas muitos jovens não podem pagar uma festa de casamento ou um dote.
A frustração sexual e os picos hormonais são problemas silenciosos, mas generalizados, e alguns especialistas os associam aos surtos de violência que afetam o país regularmente.
"Os problemas sexuais geram com frequência violência doméstica, poligamia e separação", assegura Shahed. "Tentamos convencer os jovens, meninos e meninas, de que sempre há uma solução e que eles não estão sozinhos".
Em 2016, o Ministério da Saúde afegão abriu várias clínicas "para jovens" na capital, que oferecem sessões particulares com conselheiros sobre vários assuntos, incluindo os sexuais. O número crescente de mulheres que visitam esse locais mostram que o projeto é bem-sucedido e está quebrando tabus.
"Me sentia incapaz de falar sobre meus problemas com a minha mãe ou a minha irmã", conta à AFP Rayhana, de 21 anos, em uma clínica de Cabul. "Aqui, posso falar abertamente".
As centrais de atendimento telefônico e as clínicas procuram alertar os jovens afegãos sobre os perigos do vício em sexo, das relações sem proteção e do abuso de Viagra, entre outras coisas.
A pequena pílula azul - conhecida localmente por uma série de nomes como "cobra", "foguete" e até mesmo "amigo das grandes famílias" - era desconhecida para a maioria dos afegãos antes da invasão dos Estados Unidos no final de 2001.
Desde então, se tornou tão popular que há relatos de que a CIA a oferecia como recompensa aos que a ajudaram a lutar contra os insurgentes.
Proselitismo imoral
"Aconselhamos nossos pacientes a tratar sua ansiedade e adotar um estilo de vida mais saudável", aponta Abdullah Shahed.
Muitas vezes, um outro grande tabu da sociedade afegã surge nas discussões - a homossexualidade, que é demonizada como um desvio sexual e proibida pelo Islã.
A pergunta se repete com frequência: "Existe um tratamento para curar a homossexualidade"?
"Uma vez uma lésbica ligou e disse que estava com depressão porque sua parceira estava se casando", lembra Shahed.
Abdullah disse que não há muito o que seus conselheiros possam fazer, e devem se limitar a tentar ajudar os que ligam a encontrar maneiras de refletir sobre sua situação, com perguntas como "você acha que pode continuar vivendo como lésbica no Afeganistão"?
O programa luta contra o conservadorismo predominante. Quando autoridades de saúde afegãs ligadas ao programa lançaram recentemente uma campanha de conscientização na Universidade de Cabul, vários estudantes os acusaram de promover a imoralidade.
"Tentamos explicar aos alunos que o programa está em conformidade com a sharia (lei islâmica)", disse à AFP Sayed Alisha Alawi, do Ministério da Saúde.
"Nós enfrentamos uma tarefa difícil. Muitas pessoas acreditam que ter uma discussão saudável sobre sexo é sempre um proselitismo imoral", acrescentou.
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