O novo ativismo
Era de incertezas desperta onda de protestos nos EUA e no mundo
O novo ativismo
Desatinos de Donald Trump geram onda global de protestos e levam 2,5 milhões de pessoas às ruas. É possível comparar o atual movimento com a efervescência dos anos 1960?
Para toda ação, há uma reação correspondente. A velha máxima
do físico Isaac Newton ganha novos significados diante dos crescentes
desatinos do novo presidente americano, Donald Trump. Desde que assumiu,
ele insurgiu-se contra mexicanos, imigrantes, mulheres, gays e toda
sorte de minorias. A boa notícia é que Trump recebeu, em resposta,
protestos na mesma proporção. Há muito tempo não se via, nos Estados
Unidos, mobilização social tão marcante. Em Washington, 500 mil vozes se
elevaram na Marcha das Mulheres e em outras 300 cidades americanas
incontáveis gorros rosas, símbolo das manifestações, tomaram as ruas. No
mundo, cerca de 700 eventos em 60 países motivaram ao menos 2,5 milhões
de pessoas a gritar palavras de ordem contra o novo presidente. A
julgar pela vocação de Trump para destilar ódio, o novo ativismo não só
não será contido como deve atrair mais adeptos. Grupos organizados
prometem uma reação tão forte que já há quem compare os movimentos
atuais com aqueles do final da década de 60. “Vivemos outro momento, mas
uma coisa é certa: também haverá muita luta” diz o escritor e
ex-deputado federal, Fernando Gabeira, um dos ícones brasileiros de
resistência à ditadura. “É o que indica quando se vê feministas,
ecologistas e artistas proclamarem o início de uma revolução”.
As marchas começaram logo após o resultado da eleição, em novembro, quando a aposentada havaiana Teresa Shook convidou, pelo Facebook, mulheres de sua rede para protestar na capital após a posse do republicano. Ela, que nunca foi ativista, espantou-se com tamanha repercussão quando notou que, apenas doze horas após criar o evento, mais de dez mil pessoas já haviam confirmado a participação. Além de representarem uma clara resistência ao governo Trump, as marchas pediram respeito aos direitos das mulheres, já que elas são alvos frequentes do misógino e preconceituoso Trump. “Como são organizadas por mulheres muçulmanas, negras, brancas, pessoas de todas as idades, etnias, classes e gênero e ainda contar com a participação de ativistas das mais diversas áreas, as marchas mostram que os direitos das mulheres são direitos humanos”, disse à ISTOÉ a ativista americana Louise Bernikow, autora de nove livros sobre o feminismo e que participou das manifestações nos Estados Unidos. “Espero que esse enorme ‘não’ resulte em um movimento pela justiça e nos ajude a ter um país em que acreditamos”. O mesmo sentimento de inconformismo, que parece ganhar corpo em diversos países, também esteve presente em 1968 e serviu de motriz para que aquela geração fizesse história quando gritou para frear a Guerra do Vietnã, protestou contra os militares brasileiros e tentou derrubar líderes reacionários. “A diferença é que, em 68, lutava-se contra ditaduras e hoje a luta é contra governos eleitos democraticamente”, diz Zuenir Ventura, autor de 1968 – O Ano Que Não Terminou. “E agora contando com um novo e poderoso aliado: a internet”.
A FORÇA DA INTERNET
A mesma internet que serve de palanque para que Trump dissemine bobagens foi instrumento para a organização de uma das maiores mobilizações contemporâneas. Países de todos os continentes fizeram protestos e artistas como a cantora pop Madonna subiram ao palco para falar da “revolução do amor” como arma contra os extremismos. “Recusamo-nos como mulheres a aceitar esta nova era de tirania, que coloca em risco todas as pessoas marginalizadas”, disse Madonna. No Twitter, a democrata Hillary Clinton, que disputou com Trump a Casa Branca, fez coro e agradeceu o movimento. “Obrigada por se colocarem em pé e marcharem por nossos valores. Juntos, somos mais fortes”. Material para abastecer esse tipo de reação popular não vai faltar durante a era Trump. “Cada vez que ele agredir uma minoria ou tomar medidas polêmicas, poderemos constatar os resultados dessas ações nas ruas”, diz o professor de economia internacional da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo.
Donald Trump mal esquentou a cadeira presidencial e já está cumprindo as promessas de campanha (ou ameaças ao mundo). Em sua primeira semana à frente da nação mais poderosa do mundo, o novo presidente fez arrepiar até o último fio de cabelo de muita gente que achava que as ideias pouco convencionais eram apenas estratégias bizarras para ganhar a eleição. Barack Obama ainda não estava na esquina da Casa Branca quando Trump correu para assinar decretos que alteram o Obamacare, o programa de saúde que foi um dos carros -chefes da gestão do ex-presidente. No dia seguinte, prontamente retirou os Estados Unidos da Parceria Transpacífico (TPP) e ameaçou sair do Nafta, peças centrais da estratégia comercial e geopolítica de seu antecessor.
Trump também aproveitou a caneta que tem em mãos para assinar outros dois decretos que versam sobre a oposição ao aborto e o congelamento da contratação de servidores para órgãos do governo federal. Deu carta branca para que Israel siga com a construção de mais 2500 casas na Cisjordânia, o que vai contra a resolução da ONU que, em dezembro, determinou a ilegalidade dos assentamentos com aval dos Estados Unidos (à época, Trump disse para o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não se estressar e apenas aguardar sua posse para continuar o que estava fazendo). E ainda, antes do raiar do sétimo dia como presidente, ele informou aos mexicanos que irá construir um muro na fronteira que divide os países e que a conta será paga pelo próprio México por meio de impostos aplicados no longo prazo. As ações de Trump são rápidas e intensas. É como se, a cada dia, o mundo acordasse com uma novidade tenebrosa. Assim, enquanto mantém todos distraídos com seus factóides públicos, Trump toma decisões que podem destruir a vida de milhões de pessoas.
As marchas começaram logo após o resultado da eleição, em novembro, quando a aposentada havaiana Teresa Shook convidou, pelo Facebook, mulheres de sua rede para protestar na capital após a posse do republicano. Ela, que nunca foi ativista, espantou-se com tamanha repercussão quando notou que, apenas doze horas após criar o evento, mais de dez mil pessoas já haviam confirmado a participação. Além de representarem uma clara resistência ao governo Trump, as marchas pediram respeito aos direitos das mulheres, já que elas são alvos frequentes do misógino e preconceituoso Trump. “Como são organizadas por mulheres muçulmanas, negras, brancas, pessoas de todas as idades, etnias, classes e gênero e ainda contar com a participação de ativistas das mais diversas áreas, as marchas mostram que os direitos das mulheres são direitos humanos”, disse à ISTOÉ a ativista americana Louise Bernikow, autora de nove livros sobre o feminismo e que participou das manifestações nos Estados Unidos. “Espero que esse enorme ‘não’ resulte em um movimento pela justiça e nos ajude a ter um país em que acreditamos”. O mesmo sentimento de inconformismo, que parece ganhar corpo em diversos países, também esteve presente em 1968 e serviu de motriz para que aquela geração fizesse história quando gritou para frear a Guerra do Vietnã, protestou contra os militares brasileiros e tentou derrubar líderes reacionários. “A diferença é que, em 68, lutava-se contra ditaduras e hoje a luta é contra governos eleitos democraticamente”, diz Zuenir Ventura, autor de 1968 – O Ano Que Não Terminou. “E agora contando com um novo e poderoso aliado: a internet”.
A FORÇA DA INTERNET
A mesma internet que serve de palanque para que Trump dissemine bobagens foi instrumento para a organização de uma das maiores mobilizações contemporâneas. Países de todos os continentes fizeram protestos e artistas como a cantora pop Madonna subiram ao palco para falar da “revolução do amor” como arma contra os extremismos. “Recusamo-nos como mulheres a aceitar esta nova era de tirania, que coloca em risco todas as pessoas marginalizadas”, disse Madonna. No Twitter, a democrata Hillary Clinton, que disputou com Trump a Casa Branca, fez coro e agradeceu o movimento. “Obrigada por se colocarem em pé e marcharem por nossos valores. Juntos, somos mais fortes”. Material para abastecer esse tipo de reação popular não vai faltar durante a era Trump. “Cada vez que ele agredir uma minoria ou tomar medidas polêmicas, poderemos constatar os resultados dessas ações nas ruas”, diz o professor de economia internacional da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo.
Donald Trump mal esquentou a cadeira presidencial e já está cumprindo as promessas de campanha (ou ameaças ao mundo). Em sua primeira semana à frente da nação mais poderosa do mundo, o novo presidente fez arrepiar até o último fio de cabelo de muita gente que achava que as ideias pouco convencionais eram apenas estratégias bizarras para ganhar a eleição. Barack Obama ainda não estava na esquina da Casa Branca quando Trump correu para assinar decretos que alteram o Obamacare, o programa de saúde que foi um dos carros -chefes da gestão do ex-presidente. No dia seguinte, prontamente retirou os Estados Unidos da Parceria Transpacífico (TPP) e ameaçou sair do Nafta, peças centrais da estratégia comercial e geopolítica de seu antecessor.
Trump também aproveitou a caneta que tem em mãos para assinar outros dois decretos que versam sobre a oposição ao aborto e o congelamento da contratação de servidores para órgãos do governo federal. Deu carta branca para que Israel siga com a construção de mais 2500 casas na Cisjordânia, o que vai contra a resolução da ONU que, em dezembro, determinou a ilegalidade dos assentamentos com aval dos Estados Unidos (à época, Trump disse para o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não se estressar e apenas aguardar sua posse para continuar o que estava fazendo). E ainda, antes do raiar do sétimo dia como presidente, ele informou aos mexicanos que irá construir um muro na fronteira que divide os países e que a conta será paga pelo próprio México por meio de impostos aplicados no longo prazo. As ações de Trump são rápidas e intensas. É como se, a cada dia, o mundo acordasse com uma novidade tenebrosa. Assim, enquanto mantém todos distraídos com seus factóides públicos, Trump toma decisões que podem destruir a vida de milhões de pessoas.
“Em vez dos partidos, as ruas”
Autor de 1968 – O Ano Que Não Terminou, o escritor e jornalista Zuenir Ventura vê semelhanças entre o ativismo atual e os movimentos da década de 60
Autor de 1968 – O Ano Que Não Terminou, o escritor e jornalista Zuenir Ventura vê semelhanças entre o ativismo atual e os movimentos da década de 60
É possível fazer um paralelo
entre o novo ativismo que está surgindo como resposta a Donald Trump e
outros líderes extremistas na Europa com os movimentos de rua de 1968?
É possível, sim, e há a semelhança dos
métodos: em vez dos partidos, as ruas. E agora contando com um novo e
poderoso aliado: a internet. A diferença é que em 1968 lutava-se contra
ditaduras. Hoje, contra governos com o mesmo conteúdo, mas eleitos
democraticamente. É preciso esperar para ver se essas erupções não são
apenas surtos, como outros que já ocorreram. 1968 foi resultado de
vários surtos, que foram se acumulando até explodirem num movimento.
Hoje temos um novo movimento
feminista, o movimento LGTB, a luta pelos direitos dos negros em Estados
americanos racistas. São novas agendas para os mesmos temas?
Os exemplos citados, a agenda feminista e
os movimentos homossexual e negro, não surgiram em 1968, mas se
afirmaram naquela época. Hoje, eles procuram avançar
institucionalizando-se. Não querem apenas o reconhecimento, mas a
aceitação na prática de seus direitos.
Em 1968 vivia-se, de certo modo, a esperança de uma nova era. Hoje o que domina não é a desesperança?
Em 68, sabia-se com certeza que amanhã seria “outro dia”, como prometia a música do Chico Buarque. E esse “outro dia” seria muito melhor. De fato, a desesperança ou o desencanto de hoje têm a ver com essa falta de horizonte, de “luz no fim do túnel”, para usar outra expressão de época. A militância daquela época era mais sofrida porque enfrentava a censura, a tortura, mas era mais fácil de se situar: de um lado, as trevas. De outro, as luzes. Não havia essa zona cinzenta de hoje, em que o bem e o mal andam juntos e se confundem. Aliás, olhe em volta na política e me diga: onde está o bem e onde está o mal?
Em 68, sabia-se com certeza que amanhã seria “outro dia”, como prometia a música do Chico Buarque. E esse “outro dia” seria muito melhor. De fato, a desesperança ou o desencanto de hoje têm a ver com essa falta de horizonte, de “luz no fim do túnel”, para usar outra expressão de época. A militância daquela época era mais sofrida porque enfrentava a censura, a tortura, mas era mais fácil de se situar: de um lado, as trevas. De outro, as luzes. Não havia essa zona cinzenta de hoje, em que o bem e o mal andam juntos e se confundem. Aliás, olhe em volta na política e me diga: onde está o bem e onde está o mal?
Inspiração para o futuro
A década de 1960 foi marcada pelos excessos de uma geração que queria mudar o mundo. Compare o ativismo nos dois períodos
A década de 1960 foi marcada pelos excessos de uma geração que queria mudar o mundo. Compare o ativismo nos dois períodos
Feminismo
Anos 60: foi nesse período que as mulheres experimentaram a liberdade sexual com o surgimento da pílula anticoncepcional. Nas ruas, elas também lutavam por maior inserção no mercado de trabalho.
Hoje: A luta das mulheres por condições de igualdade continua atual, mas foram adicionadas à causa questões como aborto.
Anos 60: foi nesse período que as mulheres experimentaram a liberdade sexual com o surgimento da pílula anticoncepcional. Nas ruas, elas também lutavam por maior inserção no mercado de trabalho.
Hoje: A luta das mulheres por condições de igualdade continua atual, mas foram adicionadas à causa questões como aborto.
Racismo
Anos 60: O assassinato do pastor Marthin Luther King, líder pacifista dos negros, gerou uma onda de protestos nos EUA.
Hoje: não há liderança como a dele, embora o país venha enfrentando uma série de manifestações desde 2014 depois do assassinato de negros por policiais.
Anos 60: O assassinato do pastor Marthin Luther King, líder pacifista dos negros, gerou uma onda de protestos nos EUA.
Hoje: não há liderança como a dele, embora o país venha enfrentando uma série de manifestações desde 2014 depois do assassinato de negros por policiais.
Movimento estudantil
Anos 60: nos EUA, os estudantes protestavam contra a Guerra do Vietnã; em Paris, os jovens queriam derrubar o governo reacionário de Charles de Gaule.
Hoje: o movimento estudantil está disperso, mas houve conquistas importantes. A onda de protestos culminou na Primavera Árabe.
Anos 60: nos EUA, os estudantes protestavam contra a Guerra do Vietnã; em Paris, os jovens queriam derrubar o governo reacionário de Charles de Gaule.
Hoje: o movimento estudantil está disperso, mas houve conquistas importantes. A onda de protestos culminou na Primavera Árabe.
Movimento Gay
Anos 60: a primeira parada gay aconteceu em Nova York nesse período.
Hoje: direitos como casar e adotar crianças foram conquistados. Contra Trump, o movimento gay promete uma série de manifestações nos EUA.
Anos 60: a primeira parada gay aconteceu em Nova York nesse período.
Hoje: direitos como casar e adotar crianças foram conquistados. Contra Trump, o movimento gay promete uma série de manifestações nos EUA.
copiado http://istoe.com.br/o-novo-ativismo/
Nenhum comentário:
Postar um comentário