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29 Janeiro 2017
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05h00
A descentralização do poder
O País tem de rediscutir as fatias da União, dos Estados e dos municípios no bolo tributário
A descentralização do poder
Para reforçar a Federação e evitar que
governadores e prefeitos precisem 'passar o pires' em Brasília, o País
tem de rediscutir as fatias da União, dos Estados e dos municípios no
bolo tributário
José Fucs
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O Estado de S.Paulo
O Estado de S.Paulo
14 Janeiro 2017 | 16h48
Para tentar repartir o ônus da derrocada com o governo federal, muitos governadores e prefeitos procuraram atribuir seus problemas à concentração dos recursos dos pagadores de impostos nas mãos da União. De repente, eles passaram a usar a crise fiscal como justificativa para impulsionar a ideia de um novo pacto federativo, cujo objetivo seria alterar as fatias da arrecadação destinadas à União, aos Estados e aos municípios, além de reavaliar as tarefas que cabem a cada esfera de governo, de acordo com a Constituição. A rigor, porém, tudo isso não passa de uma encenação, própria da política pedestre praticada no Brasil. A insolvência de Estados e municípios tem mais a ver com a gestão inepta e a gastança irresponsável realizada nos últimos anos do que com a centralização dos recursos na área federal. Ainda assim, a peregrinação de prefeitos e governadores em Brasília tem o mérito de jogar os holofotes sobre os escombros da Federação brasileira e estimular o debate sobre a necessidade urgente de se adotar medidas para reformá-la e reforçá-la.
O domínio de Brasília
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A atual situação é parecida com a que o País vivia nos tempos do regime militar, quando a política do “pires na mão” prevalecia e o governo federal arbitrava quem deveria receber os recursos a seu bel prazer. Na Constituição de 1988, procurou-se corrigir o problema, ao menos em parte, com a distribuição de uma fatia maior do bolo para os Estados e municípios. Mas a União manteve muitas de suas atribuições anteriores e ainda recebeu outras, como a de viabilizar o Estado de bem-estar social previsto na nova Carta. Resultado: para cobrir suas despesas, a União criou diversos tributos não partilhados, cujas alíquotas subiram de forma significativa ao longo dos anos.
A reconstrução do Brasil
Deve-se colocar na conta também, de acordo com o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), os R$ 345 bilhões que os Estados deixaram de receber da União como compensação pelas desonerações de produtos para exportação, desde a entrada em vigor da Lei Kandir, em 1996. No campo da saúde, as perdas são incalculáveis. A defasagem acumulada pela tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), que serve de base para o reembolso de despesas de hospitais públicos e privados, atinge a maioria dos procedimentos. A conta mais pesada sobra para os Estados e municípios, encarregados de administrar a quase totalidade das unidades de saúde. Por fim, a União começou a criar pisos salariais nacionais por categoria profissional, como o dos professores, sem apontar de onde viriam recursos necessários para custear as benesses. “O Brasil tem de decidir se realmente é uma Federação ou se apenas exerce de forma descentralizada as políticas públicas decididas no Congresso”, diz o economista Paulo Guedes, presidente do conselho de administração da Bozano Investimentos.
Diante desse quadro, não é de estranhar que a ideia de transferir mais recursos para os governos locais, em especial para os municípios, onde os cidadãos moram e a vida acontece, tenha se tornado quase uma unanimidade nacional. Até o presidente Michel Temer já se mostrou favorável ao encaminhamento da questão no Congresso. Mas, devido às profundas implicações da medida, a negociação de um novo pacto federativo acaba travando apesar de receber o apoio verbal dos parlamentares. Nenhum político quer dar o seu aval a uma proposta que possa reduzir o volume de recursos disponível para a sua região de origem. Ainda mais no atual momento, de crise fiscal generalizada.
Em 2015, ainda no governo Dilma, o Congresso até tentou levar o assunto adiante, mas, em meio ao processo de impeachment e à troca de governo, ele acabou ficando para trás. Agora, a discussão está centrada na operação-hospital que Temer montou para socorrer os Estados em situação terminal e evitar que outros sigam a mesma trajetória. Não há nada realmente ambicioso relacionado à Federação em pauta no momento. “Isso é muito difícil. O José Serra, ministro de Relações Exteriores e senador licenciado, que foi o relator do capítulo tributário na Constituinte, me contou que foi a coisa mais difícil que ele já fez na vida”, afirma o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente. “As tensões são muito grandes, a possibilidade de avançar é pequena.”
Talvez, por isso, faltem propostas concretas para viabilizar o pacto. “Eu ainda não vi ninguém dizendo qual é o pacto federativo que se quer”, diz o ex-ministro Nelson Jobim. “O pacto federativo que, ao fim, está posto é o aumento de receita para Estados e municípios”. O problema é que, no momento, com a crise fiscal, não há perspectiva de a União abrir mão de receitas. “A União está quebrada e não tem condição de transferir mais recursos para Estados e municípios sem aumentar a carga tributária”, diz o economista Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre, ligado à Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, afirma que, hoje, é mais difícil aumentar a fatia dos Estados no bolo tributário do que a dos municípios. Os Estados, segundo Afonso, estão politicamente fracos e desunidos e economicamente fragilizados. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que representa a maior parte das receitas estaduais, está se tornando um tributo obsoleto, com a desindustrialização e a “guerra fiscal”, centrada na redução tributária para atração de novos investimentos. Os municípios, ao contrário, estão organizados e mais fortes politicamente e com um enorme potencial para aumentar a cobrança de tributos próprios (serviços, imóveis, coleta de lixo, iluminação pública, espaço para construção). A União passou a fazer uma ligação direta com as cidades, criando uma realidade institucional que dificilmente será revertida.
Apesar de enfraquecidos, os Estados devem ser beneficiados com uma maior divisão das responsabilidades com a União e os municípios no campo de segurança pública. Hoje, os Estados contribuem com nada menos que 82,4% das despesas na área. “A concentração da segurança pública nos Estados não funcionou. Tanto não funcionou que se está usando perigosamente as Forças Armadas para suprir as carências existentes, o que não é bom, e criou-se essa Força Nacional, que é um negócio meio torto”, afirma Jobim. “Como faz, então? Deixa a segurança só com os Estados ou amplia-se a participação da União e dos municípios em termos de recursos? É uma questão que temos de analisar.” Para que a União, os Estados e os municípios não fiquem batendo cabeça, como na área de educação, talvez seja conveniente acertar desde logo quem vai fazer o quê.
copiado http://politica.estadao.com.br/
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