Com guerra à imprensa, Bolsonaro se vende como fonte de informação

Com guerra à imprensa, Bolsonaro se vende como fonte de informação 

(Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) Entendendo Bolsonaro
11/03/2019 17h45
* Rodrigo Ratier e Rafael Burgos
"Fakenews!", reage, no twitter, o presidente.
Parece lógico esperar por algum tipo de explicação ("a informação é falsa porque"…). Mas a discussão para por aí, sem qualquer detalhe adicional. Apenas o uso do termo fake news parece o bastante para descredibilizar a reportagem.
A julgar pelos comentários, a aposta se paga. A grande maioria manifesta solidariedade ao presidente e critica o veículo de imprensa — ainda que seja necessário medir o "efeito-bolha" e uso de perfis-robôs nas interações:
É como se houvesse uma hierarquia de legitimidade entre a fala do presidente e a do jornalista.
Apoiadores consideram de antemão que jornalistas são opositores de Bolsonaro, portanto dignos de desconfiança. Ignoram, assim, o debate objetivo do caso.
Para dizer de outra forma: a verdade se torna irrelevante. A polarização direciona o debate de argumentos para uma discussão a respeito de intenções e não de fatos. Estes importam pouco: a argumentação em defesa de Bolsonaro e contra o jornalista independem das circunstâncias que envolvem o episódio.
No caso em questão, esclarecimentos adicionais por parte dos autores são difíceis. A notícia é construída com base no off the record (quando a fonte passa uma informação sem ser identificada). Provar que o relato é correto exigiria quebrar o sigilo a que o informante tem direito.
O pano de fundo para a estratégia de Bolsonaro é a desconfiança na mídia. Trata-se de fenômeno global. Em 2019, o Trust Barometer Edelman, pesquisa mundial de confiança nas instituições, apontou um patamar de 47% para a credibilidade na mídia. É um nível baixo em relação a outras instituições avaliadas, como empresas (56%) e ONGs (também 56%). A comparação é ruim até mesmo quando se considera a confiança no governo (47%, mesmo índice dos veículos de comunicação).
No Brasil, um dos 26 mercados sondados, a credibilidade é ainda menor: 41%, erosão de 13 pontos percentuais num intervalo de 3 anos.
Há poucos estudos analisando o uso do termo fake news por Bolsonaro em suas redes sociais. Mas paralelos com pesquisas sobre Donald Trump podem ser esclarecedores.
Os pesquisadores Andrew S. Ross e Damian J. Rivers, respectivamente da Universidade de Sydney, na Austrália, e da Future University em Hakodate, no Japão, publicaram uma análise dos tuítes do presidente americano entre novembro de 2016 e agosto de 2017. Eles estavam interessados em saber a que Trump se referia quando usava as expressões "fake news" e "fake media".
Resposta: Trump usa os termos para rotular a mídia tradicional toda vez que aparecem reportagens que o desagradam. Segundo Ross e Rivers, seria uma estratégia de deflexão — a desclassificação do interlocutor. Em outras palavras, Trump joga a culpa em quem o acusa.
Além de servir para descredibilizar os veículos tradicionais, os pesquisadores afirmam que o uso pejorativo do termo — também acompanhado das ideias de "mídia desonesta" ou "mídia injusta" —  serve para tentar posicionar o presidente como a única fonte confiável de informação. Ainda que, na visão de Ross e Rivers, o mentiroso seja Trump. A análise de suas publicações permite aos pesquisadores classificá-lo como "um distribuidor em série de desinformação, quando sua própria agenda e objetivos são melhor servidos ao fazê-lo". 
A atuação de Bolsonaro apresenta semelhanças. O serviço de checagem Aos Fatos apontou que o presidente difundiu 82 informações comprovadamente falsas desde sua posse, mais de uma por dia. Os tuítes questionando a Folha/UOL e distorcendo uma declaração da jornalista Constança Rezende, de O Estado de São Paulo, são amostra recente de publicações que apresentam um ou mais dos seguintes ingredientes: (1) desqualificação da mídia tradicional com o uso retórico de termos pejorativos, especialmente fake news ("extrema imprensa" é outro termo comum entre seus seguidores, usado para se referir a veículos de qualquer linha editorial que critiquem o bolsonarismo); (2) ausência de detalhamento factual que justifique o uso da expressão; (3) recomendações do próprio perfil e de veículos alinhados, por vezes não jornalísticos, como fontes de informação.
Bolsonaro, à moda de Trump, tenta se vender como fonte de informação. Em sua diplomação, exaltando o papel das redes sociais, saudou a "relação direta" entre eleitores e eleitos e declarou: "o poder popular não precisa mais de intermediação".
* * *
Este é um blog coletivo que pretende contribuir, sob diversos olhares – da comunicação à psicanálise, da ciência política à sociologia, do direito à economia –, para explicar o fenômeno da nova política. O "Entendendo Bolsonaro" do título indica um referencial, mas não restringe o escopo analítico. Toda semana, pesquisadoras e pesquisadores serão convidados a trazer suas reflexões. O compromisso é com um conteúdo acadêmico traduzido para o público amplo, num tom sereno que favoreça o debate de ideias. Convidamos você a nos acompanhar e a interagir conosco.

* Rodrigo Ratier é jornalista e professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. Doutor em Educação pela USP, assina o blog Em Desconstrução, também no UOL. Rafael Burgos é jornalista, autor do TCC "Donald Trump: a redenção pelo regresso".
COPIADO  https://entendendobolsonaro.blogosfera.uol.com.br/

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