Americanos e russos: uma relação antiga e nem sempre de inimizade
Barack Obama vai deixar a Casa Branca com as relações entre a América e a Rússia no ponto mais baixo desde o fim da Guerra Fria. Donald Trump, prestes a assumir a presidência, promete tornar Putin um aliado, mas não será nada fácil
Entre 1809 e 1814,
John Quincy Adams foi o embaixador americano na Rússia. Nos seus
diários, o futuro presidente descreveu os seus passeios com o czar
Alexandre I por São Petersburgo, então capital. Conversavam em francês e
Adams considerava o monarca um amigo. Uma década depois, era Adams
secretário de Estado, o presidente James Monroe fez o célebre discurso
da América para os americanos: o destinatário era a Santa Aliança, pois a
França preparava-se para ajudar a Espanha a recuperar as colónias
rebeldes, mas também a Rússia, que já conquistara o Alasca e cobiçava a
Califórnia. Sabe-se hoje que a Doutrina Monroe podia chamar-se Adams,
por este ter sido o autor. Alexandre I era ainda o czar de todas as
Rússias, mas, como se diz, amigos, amigos, negócios à parte.
Donald
Trump não tem fama de ser grande leitor de história. Nos debates
televisivos com Hillary Clinton mostrou sempre impreparação e demasiada
autoconfiança para justificar com dados as opiniões. Sobre a relação com
a Rússia, sabe-se que o presidente eleito tem trocado elogios com
Vladimir Putin e que nomeou para secretário de Estado Rex Tillerson, um
patrão petrolífero, que conhece o líder russo e que em tempos criticou
as sanções que se seguiram à anexação da Crimeia.
Dentro
de duas semanas, Trump estará na Casa Branca. E herdará de Obama umas
relações com a Rússia no ponto mais baixo desde o fim da Guerra Fria em
1991. As culpas são recíprocas, com Putin a não perdoar o alargamento da
NATO a leste e Obama a contrariar como pode o esforço de influência
russo desde a Ucrânia à Síria. Mas o mais grave é a acusação pelos
Estados Unidos de que a Rússia interferiu nas presidenciais americanas
de 2016, com piratas informáticos a revelarem e-mails que prejudicaram a
imagem de Hillary. A América expulsou 35 diplomatas russos, Putin
ponderou e decidiu esquecer a retaliação até dia 20, para ver como Trump
agirá. Este último, começou por aplaudir a sensatez do líder russo mas
ontem estava sob forte pressão tanto do Partido Republicano como dos
serviços secretos para ser mais cauteloso em relação à Rússia.
Sendo
Trump uma figura imprevisível, ouvirá alguém ou continuará a acreditar
que criará uma aliança americano-russa capaz de derrotar a ameaça do
Estado Islâmico por um lado e contrariar a ascensão da China por outro?
A
relação do Partido Republicano com Trump pode ser decisiva na definição
da sua política externa: o partido, que manteve o Congresso e ganhou a
Casa Branca muito à boleia do magnata, parece ter aceitado a sua
doutrina económica mas não a obsessão com o Kremlin. E senadores de
peso, como John McCain, insistem em ver a Rússia como um sério rival e
consideram de extrema gravidade a pirataria feita para influenciar o
resultado eleitoral.
O New York Times e o Washington Post
citavam ontem fontes das secretas que davam conta de celebrações entre
os russos pela vitória de Trump. Pelo que foi dito na campanha pela
candidata democrata, e pelo modo hostil como Hillary tratou Putin quando
era secretária de Estado, não surpreende que o preferido de Moscovo
fosse o magnata que se impôs aos tradicionais políticos republicanos nas
primárias. Mais difícil de perceber é se o Kremlin acredita mesmo numa
viragem diplomática americana ou aposta em Trump apenas para dividir os
americanos e, por acréscimo, os aliados da NATO.
Mesmo
esquecendo os passeios de Adams com Alexandre I, ou a compra do Alasca
em 1867 a Alexandre II, houve tempos em que as relações
Washington-Moscovo eram boas, como durante a Segunda Guerra Mundial.
Também após a Guerra Fria, pareceu possível uma parceria, mas todo o
percurso de Putin foi feito como resposta à época de Boris Ieltsin, em
que o Kremlin nem sequer se opunha ao alargamento da NATO ao antigo
bloco comunista.
Obcecado com a ideia
de devolver grandeza à América, Trump acredita tanto em si próprio e no
país que confia ser possível algo do género feito por Richard Nixon em
1972, quando fez da China comunista um aliado geopolítico contra a União
Soviética. Desta vez, seria aliar-se à Rússia contra a China, o que não
sendo impossível é difícil de ser concretizável. Veremos como após 20
de janeiro Trump dá conta do recado. Além da sua autoconfiança, a outra
certeza é de que é bem menos experiente do que Putin a lidar com o
mundo.
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