150 anos
Quando Victor Hugo elogiou Portugal por abolir a pena de morte
Romancista francês publicou em 1867 carta no DN a saudar pioneirismo do país. A 1 de julho no CCB uma conferência celebra data.
"Está
pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem
uma grande história." Começa assim a mensagem de Victor Hugo publicada
no DN e endereçada a Eduardo Coelho, o fundador do jornal. A carta está
datada de "Hauteville-House, 2 de julho de 1867", dia seguinte ao da
abolição da pena capital, e saiu no DN a 10. Ora, em 2017 celebram-se os
150 anos desta lei, aprovada no reinado de D. Luís e pioneira na
Europa. Uma grande conferência em Lisboa, no CCB, evocará a efeméride a 1
de julho.
"Vivemos tempos "estranhos"
em que a ímpar capacidade crítica dos humanos, com os assinaláveis e
virtuosos progressos da ciência e da vida das sociedades, se vê agora
confrontada com novas e sofisticadas formas de barbárie, e de manifesto
desprezo do homem pelo seu semelhante. Um paradoxo inquietante,
perigoso, com extremos que se replicam à escala global, imprevisíveis, e
com protagonismos que eram inimagináveis num passado recente,
pós-Holocausto, pós-colonial, e pós-apartheid. Por outro lado, a
atualidade do tema direitos humanos é permanente por natureza e pela
força do ideal - "os homens nascem e são livres e iguais em direitos"",
sublinha Elísio Summavielle, presidente do CCB, questionado sobre a
motivação para a celebração, que contará com uma palestra de Robert
Badinter, ministro da Justiça francês responsável pela abolição da pena
de morte na pátria de Victor Hugo.
Afirma
Luís Espinha da Silveira, professor na Universidade Nova de Lisboa, que
"não se conhece posição de D. Luís sobre a abolição da pena de morte,
mas é minha convicção de que a apoiou" . O historiador, biógrafo do
monarca, descreve D. Luís como "um homem de educação liberal, capaz de
se identificar com o espírito da lei", mas nota que esta foi produto do
ministro Barjona de Freitas, professor de Direito de Coimbra, que com 33
anos iniciava a primeira de quatro passagens pela pasta da Justiça.
Espinha da Silveira relembra que era época de escassa conflitualidade
política, com Joaquim António de Aguiar a chefiar o chamado "governo da
fusão". E que a ideia de regenerar os criminosos vinha ganhando terreno
desde finais do século XVIII por toda a Europa. "Os portugueses, pelo
menos a elite, já não se reviam na aplicação da pena de morte",
esclarece.
O pioneirismo de Portugal é
difícil de explicar. A Venezuela aboliu a pena de morte em 1864 mas na
Europa só o Grão-Ducado da Toscana (desaparecido) e São Marino
(microestado) se anteciparam à nossa lei de 1867, o que confere a
Portugal estatuto especial. Como salientava a tal carta de Victor Hugo,
"Portugal dá o exemplo à Europa". Espinha da Silveira nota que, em
termos de leis, Portugal tem muitas situações em que foi precursor, mas
que o difícil é aplicá-las e dá o exemplo do ensino primário obrigatório
legislado logo em 1844 mas que demorou décadas. Contudo, no caso da
pena de morte, de facto, não houve mais execuções.
Hoje
a Europa destaca-se pelas nações abolicionistas, mas o Reino Unido só
acabou com a pena de morte em 1973 e a França em 1981. Segundo a
Amnistia Internacional, são 140 os países que aboliram a pena capital,
entre os mais recentes dos quais Fiji e Madagáscar. Em sentido
contrário, em 2015 o Paquistão voltou a fazer execuções, como resposta
ao terrorismo, e a Turquia pondera seguir o mesmo caminho, depois do
golpe de julho de 2016.
Raquel
Vaz Pinto, cuja tese de doutoramento foi dedicada à pena de morte na
China, lamenta que as divisões na União Europeia fragilizem o movimento
abolicionista, o qual precisava muito de contar também com os Estados
Unidos. Sobre a China, a professora da Nova afirma que "a pena de morte é
um instrumento ao serviço da ditadura. Por isso, o número de execuções é
segredo de Estado. Serve também para combater a corrupção e crimes de
natureza económica". Em relação à América, Raquel Vaz Pinto, além de
notar que é sobretudo no Sul que ainda se executa, sublinha que "os
abolicionistas têm sido inteligentes. Em vez de procurar proibir já a
pena de morte, tentam impor limites à aplicação, como questionando as
drogas usadas na execução química".
Luís
Nuno Rodrigues, professor no ISCTE-IUL, relembra que nos Estados Unidos
"a aplicação ou não da pena de morte faz parte da esfera de ação dos
governos estaduais, não do governo federal. É por esta razão que é o
único país do chamado mundo ocidental a permitir a pena de morte. Ela é
permitida em 31 estados e proibida em 19." Acrescenta o historiador,
formado nos Estados Unidos, que, "de qualquer modo, no século XXI a
tendência tem sido para uma diminuição no número de penas capitais
aplicadas, no número de Estados que autorizam e até mesmo na percentagem
da opinião pública que é a favor da aplicação".
Voltando
a 1867, não se encontrou nos baús do DN o original de Victor Hugo, mas
Simões Dias, diretor do arquivo, sabe que, "dias depois, Brito Aranha,
jornalista que manteve o romancista informado sobre as movimentações
contra a pena de morte, recebeu uma carta em que aquele referia que
Portugal "está desde hoje na vanguarda da Europa" e "fostes em outros
tempos dos primeiros no oceano e sois hoje dos primeiros na verdade.
Proclamar princípios é ainda mais belo do que descobrir mundos!" Também
foi publicada no DN.
copiado http://www.dn.pt/portugal/interior/
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