Impopular e alvo de denúncias, Temer foi refém do Congresso
Terceira investigação contra presidente encerra um governo de polêmicas, tentativas de reforma e melhora na economia
22.dez.2018 às 11h54
Em seus últimos dias no cargo, Michel Temer tem repetido a quem o visita no terceiro andar do Palácio do Planalto que a cadeira de presidente carrega uma sina.
Ele lembra que, no posto mais disputado do país, Getúlio Vargas se suicidou, Jânio Quadros renunciou, Tancredo Neves morreu, José Sarney tornou-se impopular e Fernando Collor e Dilma Rousseff sofreram impeachment.
Os amigos do presidente contam que ele nunca achou que seria fácil, mas também não imaginava que seria tão difícil. Certa vez, ao ser questionado, disse que não sentirá falta de nada quando
deixar o mandato.
deixar o mandato.
Não é para menos. Em dois anos e meio, ele atingiu os piores índices de popularidade de um presidente desde a redemocratização, sofreu três denúncias por irregularidades apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República), enfrentou uma greve de caminhoneiros que paralisou o país e teve amigos e assessores presos por acusações de corrupção.
“Esses dois anos e meio não foram fáceis, foram dificílimos”, desabafou na última quinta-feira (20), na despedida dos funcionários do Palácio do Planalto.
Sob críticas de “traidor” e de “golpista”, ele substituiu Dilma em um cenário de recessão econômica e instabilidade política. Enquanto defendia uma pacificação nacional, protestos pedindo “Fora, Temer” se espalhavam pelas ruas do país.
Com pouco respaldo popular, tentou compensar a fragilidade política com a formação de uma base sólida de apoio no Congresso Nacional, arena em que construiu sua carreira pública. Para isso, entregou mais da metade dos ministérios para deputados e senadores, alguns sem afinidade com a pasta e com denúncias de irregularidades.
Como forma de conseguir a fidelidade das siglas do chamado centrão, que ameaçaram impor derrotas legislativas, nomeou para cargos de segundo e terceiro escalões indicados por legendas como PSD, PR, PP e PTB. O aceno não garantiu apoio duradouro, tornando-o refém de suas reivindicações durante todo o mandato.
A estratégia de distribuição de cargos gerou efeitos colaterais imediatos. Em menos de duas semanas da posse, o então ministro Romero Jucá (Planejamento) deixou o cargo após a revelação pela Folha de áudio em que ele sugeria uma espécie de pacto para barrar a Operação Lava Jato.
No mesmo ano, mais cinco ministros deixaram o cargo, entre eles Geddel Vieira Lima (Governo), amigo antigo e um dos homens de confiança do presidente. Em entrevista à Folha, o então ministro Marcelo Calero (Cultura) o acusou de tê-lo pressionado a liberar a obra de um prédio, no qual Geddel era proprietário de um apartamento.
A saída de Geddel abalou Temer. Com o agravamento da crise, que se estendeu por uma semana, o ministro foi aconselhado a se afastar antes, para evitar que o desgaste chegasse ao presidente, mas ele preferiu prolongar o calvário. No ano seguinte, Geddel foi preso e foi descoberto um bunker em Salvador, em um apartamento que seria ligado a ele, com R$ 51 milhões escondidos.
Mas a crise que mais impactou o presidente foi a divulgação de áudio de conversa com ele gravada pelo empresário Joesley Batista, dono do frigorífico JBS.
Como o presidente não tinha certeza sobre o que havia dito, chegou a ser aconselhado a renunciar para evitar uma crise institucional.
“Ele dizia que só sugeria a sua saída quem não o conhecia de verdade”, lembra o deputado Beto Mansur (MDB-SP), que o acompanhou de perto durante a crise.
Não foi apenas a equipe de ministros que foi atingida por acusações de irregularidades. Temer se tornou o primeiro presidente a ser denunciado pela PGR durante o exercício do mandato por suspeita de corrupção. Para não ser afastado do posto, distribuiu cargos e emendas à base aliada.
O esforço teve êxito: as duas acusações foram barradas pela Câmara dos Deputados. Mas o empenho comprometeu a pauta de votações. Sem fôlego para novas negociações com os deputados governistas, não conseguiu apoio suficiente para aprovar a reforma previdenciária.
“O grande sentimento de frustração foi não ter conseguido consumá-la, o que não aconteceu em razão do episódio da gravação”, diz o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.
Apesar do revés com a proposta, o presidente teve força para aprovar medidas que agradaram ao mercado financeiro e ao setor empresarial, que se tornaram os principais pilares de seu mandato. Ele conseguiu, por exemplo, implementar um teto de gastos públicos e realizar uma reforma trabalhista.
Com a política econômica como carro-chefe, melhorou os índices econômicos, reduzindo a inflação, os juros e o déficit. Para o ministro da Casa Civil, o presidente “teve competência para montar um time dos sonhos na área econômica”.
A melhora nos indicadores, contudo, não foi suficiente para frear a queda na popularidade. Segundo o Datafolha, em junho deste ano, 82% dos brasileiros consideraram seu governo ruim ou péssimo.
A reprovação ganhou força com a deflagração de uma greve nacional de caminhoneiros. Na tentativa de evitar a piora no cenário, que evoluía para o caos social, Temer cedeu à pressão dos grevistas e reduziu o preço do diesel.
Como era considerado radioativo, o presidente se afastou da campanha eleitoral, mas não conseguiu evitar que aliados saíssem chamuscados.
Associados a ele, deputados, senadores e ministros sofreram derrotas nas urnas como as Jucá (MDB-RR) e Eunício Oliveira (MDB-CE).
Sem conseguir fazer seu sucessor, o presidente se preocupou com o que chamou de um resgate moral. “Não vou sair com essa pecha de um sujeito que incorreu em falcatruas. Não vou deixar isso”, disse à Folhano início do ano.
Na última quinta-feira, porém, após uma nova denúncia ter sido apresentada contra ele, reconheceu que deixa o cargo com mágoapelos ataques de natureza moral de que foi alvo. “Isso me caceteia, me chateia, me aborrece. A única coisa que me aborrece.”
O presidente está como efetivo no cargo quatro meses a mais do que ficou Itamar Franco, que também assumiu a cadeira após um processo de impeachment. A poucos dias de passar a faixa presidencial, Temer fez uma espécie de síntese sobre seus anos no poder.
“O nosso governo sofreu à beça mas, convenhamos, conseguimos enfrentar”, disse.
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