O homem que imaginou naves espaciais em 1657. Em um modelo da nave imaginada por Cyrano de Bergerac, foguetes que são acesos em diferentes estágios e a impulsionam

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Em um modelo da nave imaginada por Cyrano de Bergerac, foguetes que são acesos em diferentes estágios e a impulsionam
O homem que imaginou naves espaciais em 1657Imagem: Getty Images

21/12/2018 18h30
A primeira descrição de uma máquina feita especialmente para viagens espaciais foi feita em um livro publicado em 1657.
Tratava-se de uma caixa suficientemente grande para um passageiro, com um teto de cristal oco que focalizava os raios do sol. O ar quente dentro desse espaço se elevava e saía por um tubo na parte superior enquanto entrava ar pela parte de baixo. Essa aspiração do ar, indicava o inventor, impulsionava a máquina para cima.
Assim foi descrita a decolagem: "De repente, senti que meu estômago tremia, como um homem erguido por um aparelho. Ia abrir a escotilha para descobrir a causa deste sentimento, mas quando estendi minha mão, notei através do buraco no chão da minha caixa que minha torre já estava muito longe abaixo de mim, e meu pequeno castelo no ar, empurrado para cima sob meus pés, me deu um vislumbre momentâneo de Toulouse se afundando na Terra".
Embora não esteja inteiramente claro como essa propulsão a vácuo funcionaria, é surpreendente que alguém estivesse especulando sobre viagens espaciais em meados do século 17.
Quem foi essa pessoa que imaginou um veículo para explorar novos mundos longe da Terra?
Ele era um francês cujo nome pode soar familiar: Cyrano de Bergerac. Mas não estamos falando do personagem de nariz grande representado por Gérard Depardieu no filme de mesmo nome de 1990, nem de Steve Martin no filme Roxanne, de 1987.
Cyrano de Bergerac foi uma pessoa real que viveu na França do século 17. E sua vida foi, de certa forma, muito mais interessante que a da comédia romântica.

Poeta, dramaturgo, pensador e libertino

Seu nome era Hercule-Savinien de Cyrano de Bergerac (1619-1655), mas ele não veio realmente de Bergerac. Simplesmente adotou o título elegante, porque sua família parisiense tinha uma pequena fazenda na Gasconha.
Era um soldado, jogador e duelista que se aposentou das façanhas militares por causa de ferimentos, por volta de 1639, com 20 anos de idade. Ele cursou uma universidade e, a julgar por seus trabalhos, era bem versado nos debates filosóficos e científicos de sua época.
O personagem fictício leva o nome de Cyrano de Bergerac, embora, ao longo do tempo, seu nariz tenha ficado cada vez maiorImagem: Getty Images


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Ele escreveu ensaios de diversos gêneros. Criou peças, das quais seu 
contemporâneo Molière (1622-1673) roubou uma cena. Havia sátiras políticas, e até publicou uma coleção de cartas de amor fictícias, que ridicularizavam a solene eloquência amorosa pela qual o personagem fictício que leva seu nome é conhecido.
Mas talvez seus trabalhos mais bem-sucedidos tenham sido dois livros, Os Estados e Impérios da Lua e sua continuação Os Estados e os Impérios do Sol.
Nenhum foi publicado durante a curta vida de Cyrano de Bergerac, mas eles foram impressos por um de seus amigos dois anos após sua morte.
Como em Utopia (1516), de Tomas Morus, ou As Viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift, ele zomba da civilização europeia ao se aproveitar de encontros com estranhos - neste caso, extraterrestres.
Mas, além disso, as fantasias sobre voos espaciais de Cyrano de Bergerac deixaram um legado científico e tecnológico.

Quando Galileu descobriu a Lua

Viajar à Lua não foi um conceito totalmente original de Cyrano de Bergerac.
Desde 1610, quando Galileu Galilei (1564-1642) surpreendeu a todos com um pequeno livro descrevendo o que enxergara quando virou seu telescópio em direção ao satélite natural da Terra, havia uma excitação em torno desta ideia.
O cientista italiano havia anunciado que a Lua não é a esfera suave e perfeita como o filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) havia expressado. É um mundo como o nosso.
"Tem montanhas e vales", disse Galileu, "claramente evidentes nas sombras que se projetam quando o dia lunar se encontra com a noite."
Todos falavam do novo mundo de Galileu, e alguns escritores o consideravam uma espécie de segundo Cristóvão Colombo (1451-1506), um descobridor de novos horizontes.

Um espanhol na Lua

O mais conhecido precursor das ficções de Cyrano de Bergerac foi um livro escrito por volta de 1628 por um inglês chamado Francis Godwin (1562-1633), que, por ser bispo de Hereford, provou que acolher a nova imagem do Cosmos proposta por Galileu não significava entrar em conflito com crenças religiosas.
O livro de Godwin foi chamado de O Homem na Lua. Seu herói é um espanhol chamado Domingo Gonsales, e ele viaja de uma maneira espetacular: enganchando uma carruagem a um bando de gansos selvagens que migram entre a Terra e a Lua.

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Domingo Gonsales, protagonista de 'O Homem na Lua', viajava puxado por gansosImagem: Getty Images
Havia quem pensasse que realmente havia tais migrações de animais, porque, naquela época, ninguém sabia que no espaço não havia ar.
Mas a fantasia da Lua de Cyrano de Bergerac é mais ambiciosa. É uma sátira em que os costumes e características das sociedades com as quais o viajante se encontra são exageros ou invenções, mostrando que, afinal, tudo é arbitrário.
Esse é o tipo de ideologia que a Era da Exploração produziu ao desafiar antigas certezas.

Irônico e irreverente

Os detalhes sobre o verdadeiro Cyrano de Bergerac são incompletos, mas, a julgar por seus livros, ele era uma pessoa irônica e irreverente, e também inteligente e de mente aberta.
Além disso, seu intrépido herói fictício provavelmente era um autorretrato, já que seu nome é praticamente um anagrama: Dyrcona.
Dyrcona faz suas primeiras viagens em um barco feito de garrafas de orvalho, baseado na idea de que o orvalho evapora porque há um tipo de atração pelo Sol. Esse plano falha, e ele cai no Canadá.

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O orvalho não foi capaz de levar Dyrcona à Lua, apenas ao CanadáImagem: Getty Images
No entanto, ele consegue alcançar a Lua graças a uma força de atração entre a Lua e a medula óssea que Dyrcona havia esfregado em suas contusões para curá-las.
Embora isso pareça pura superstição medieval, é uma expressão das dúvidas existentes da época. Os filósofos naturais ainda não entendiam bem as forças da natureza.
Pensou-se, por exemplo, que a força misteriosa que faz uma bússola apontar para o norte indicava que a própria Terra era um imã gigante: uma ideia bastante maluca para a época, mas que se revelou verdadeira.
Estes protocientistas ficaram desconcertados com a força da gravidade, que se assemelhava ao magnetismo.
Então, é claro que a Lua não atrai a medula óssea, mas, uma vez que outras forças invisíveis da natureza pareciam tão fantásticas e estranhas, não era incomum que se imaginasse algo assim.

Um desafio ao sagrado

Ao longo de suas viagens, Dyrcona mantém constantemente debates filosóficos com outros personagens sobre ideias científicas.
No Canadá, ele argumenta com o vice-rei se a Terra está no centro do Universo, como disse Aristóteles, ou o Sol, como Galileu insistiu.
A mesma espaçonave a vácuo que Dyrcona usa para ir ao Sol desafiou a ideia de Aristóteles de que o vazio era impossível por natureza, uma questão que provocava na época fortes debates entre os filósofos naturais.
Esta ideia foi transmitida a Dyrcona na Lua por ninguém menos que Domingo Gonsales, o herói do livro anterior de Francis Godwin, que - em um maravilhoso fragmento de metanarrativa - aparece como uma espécie de mascote do gigantesco homem-animal que governa a Lua.
Gonsales confessa a Dyrcona que ele deixou a Terra em desespero, porque a Inquisição Espanhola havia reprimido suas visões antiaristotélicas.

Flocos de neve em chamas

Quando Dyrcona retorna à Terra, ele escreve Os Estados e Impérios da Lua, e o acusam de ser um feiticeiro, então, ele parte em sua caixa de vácuo para visitar os Estados e impérios do Sol, uma "terra tão brilhante", ele diz, "que se parece com flocos de neve em chamas".
Descobre que esta terra luminosa é o lugar para onde as almas vão depois que as pessoas morrem.
E, enquanto a maioria das almas se funde com o Sol, as dos filósofos sobrevivem. Nas últimas frases do segundo livro, que Cyrano de Bergerac nunca terminou, Dyrcona inicia um diálogo com um dos famosos filósofos.
"Há muitas coisas que lemos em seus livros que nos fazem pensar 'que legal!', mas, naquela época, eram perigosas ", diz Mary Baine Campbell, da Universidade Brandeis, nos Estados Unidos.

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A História Cômica dos Estados e Impérios dos Mundos da Lua e do Sol foi uma sátira da era das descobertas e conquistasImagem: Getty Images
"Naqueles dias, as pessoas estavam interessadas na gravidade, porque queriam sair do planeta, mas sabiam que algo não permitia. Embora alguns dos métodos que Cyrano inventa para Dyrcona são cômicos - como as gotas de orvalho -, outros - como a nave impulsionada por foguetes que se acendiam em etapas e da qual se desprendiam partes queimadas à medida que avanzaça -, acabaram sendo coisas que hoje sabemos que funcionam", afirma Campbell.
"Além disso, há fatos surpreendentes, como quando falta um quarto da viagem para chegar à Lua e Dyrcona nota que é ela que o está puxando. Isso, além de ser matematicamente preciso, é muito interessante, porque envolve pensar que a atração da gravidade da Terra não é única e outros corpos podem tê-la. Mas ao escrevê-lo, estava sugerindo mais uma vez que possivelmente a Terra não era o centro do Universo. As anotações desse estilo hoje nos divertem e nos surpreendem, mas na época elas eram potencialmente perigosas ."
No entanto, Cyrano de Bergerac não morreu por suas ideias. Ele foi vítima de uma viga que caiu em sua cabeça quando ele tinha 36 anos de idade.
copiado https://noticias.uol.com.br/ciencia/

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