Jornal venezuelano El Nacional sai de circulação mergulhado em dificuldades.

Jornal venezuelano El Nacional sai de circulação mergulhado em dificuldades

AFP/Arquivos / Federico PARRASala da redação do jornal venezuelano El Nacional, em Caracas, em outubro de 2018
A última edição impressa do jornal El Nacional vai circular nesta sexta-feira (14). A falta de papel, as pressões políticas e a devastação econômica tirarão da rua esta referência da imprensa venezuelana com 75 anos de história.
As rotativas vão parar após duas décadas de um duro enfrentamento com os governos dos presidentes Hugo Chávez (1999-2013) e Nicolás Maduro, ao longo das quais dezenas de veículos desapareceram.
"Conseguiram silenciar a rádio e a televisão e fizeram desaparecer os meios impressos independentes", disse o dono do jornal, Miguel Henrique Otero, referindo-se ao governo de Maduro, a quem chama de "ditador" em seus editoriais.
Em uma coluna, o jornal anunciou que vai potencializar seu site na Internet.
"Era impossível continuar financiando o papel", comentou à AFP Argenis Martínez, vice-presidente editorial, enquanto a redação preparava nesta quinta-feira a edição de despedida. "É uma sensação estranha", acrescentou.
O jornal enfrentava graves problemas desde 2013, quando o governo criou uma corporação que monopoliza a importação e a venda de papel jornal.
Mais da metade dos 134 periódicos que circulavam então na Venezuela deixaram de ser impressos, segundo a ONG Espaço Público, que defende a liberdade de imprensa.
Os meios audiovisuais não foram alheios ao que o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa (SNTP, na sigla em espanhol) tacha de "escalada" contra a liberdade de expressão. Em 2017, saíram do ar 52 rádios e oito canais de televisão, entre eles a CNN em Espanhol.
"É uma grande dor, mas é uma dor para a qual estivemos nos preparando. Resistimos mais tempo do que pensávamos", disse à AFP Hilda Lugo, editora de arte e espetáculos.
- Sobrevivência -
Tentando sobreviver, o El Nacional recebeu doações e empréstimos de papel do Grupo de Diários da América, que inclui, entre outros, o La Nación (Argentina), O Globo (Brasil) e El Mercurio (Chile), conta Martínez.
Mas não escapou da crise esmagadora, refletida em cinco anos de recessão e uma inflação que o FMI projeta em 10.000.000% para 2019.
O El Nacional, que chegou a ter 72 páginas em cinco cadernos e várias revistas, havia reduzido suas edições a 16 páginas e limitado sua circulação a cinco dias por semana. Economizando papel, a tiragem diminuiu para 5.000 exemplares diários contra os 250.000 registrados em 2014 aos fins de semana.
Apesar disso, a reduzida redação comprou e continuará comprando a briga, assegurou Lugo.
Em um plano econômico lançado em agosto passado, Maduro decretou um aumento de 3.400% do salário mínimo, o que encurralou muitos empresários. Cerca de vinte jornais demitiram pessoal, reduziram sua oferta ou fecharam após o anúncio.
Outro aumento de 150% foi determinado pelo presidente socialista em novembro.
Todos os funcionários do El Nacional ficaram recebendo o salário mínimo. O pessoal da gráfica desligou as máquinas durante uma semana em setembro, exigindo aumentos salariais por antiguidade.
- Hostilidade -
O jornal foi processado em 2015 por difamação pelo número dois do chavismo, Diosdado Cabello, após replicar reportagens de veículos espanhóis que o vinculavam com o narcotráfico.
Processos similares contra o ABC, na Espanha, e o The Wall Street Journal, nos Estados Unidos, foram desconsiderados nestes países, mas na Venezuela prosperaram contra veículos locais que foram multados.
Por essa querela, Martínez foi proibido de deixar o país por quase quatro anos.
Com ironia, Cabello se refere ao jornal como "El Nazional". Maduro e outros membros da cúpula do governo acusam a imprensa de "conspirar" para um golpe de Estado e ignorar os feitos do chavismo.
Os jornalistas denunciam, por sua vez, constantes agressões e prisões ilegais no cumprimento de seu trabalho. Só durante o primeiro semestre de 2018, o SNTP documentou 113 ataques contra jornalistas.
O sindicato dos jornalistas dá conta de outra ameaça: o bloqueio de sites na estatal CANTV, o principal provedor de telefonia e Internet na Venezuela.

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