Guatemala encerra missão anticorrupção da ONU e enfrenta a Justiça
AFP / NOÉ PÉREZO presidente guatemalteco, Jimmy Morales (C), junto ao seu gabinete discursa no Palácio da Cultura na Cidade da Guatemala em 7 de janeiro de 2019
O encerramento unilateral da missão anticorrupção da ONU na Guatemala desatou uma guerra judicial e provocou tensões no país, onde organizações civis ameaçam com protestos contra o governo do presidente Jimmy Morales.
O governo anunciou na véspera o fim do acordo da Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), subordinada à ONU, desatando uma onda de reações de vários setores, que defendem ou repudiam a ação.
Grupos pró-justiça, humanitários, acadêmicos, indígenas e universitários pedem que se reverta a medida do presidente, enquanto setores conservadores, políticos de direita e a cúpula empresarial exigem que se respeite a decisão e a soberania do país.
"A decisão unilateral do presidente Morales (...) é um sinal do progressivo rompimento institucional e do Estado de Direito", disse Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz 1992.
Em defesa da ação de Morales, o senador americano Mike Lee, um republicano, publicou no Twitter que "a Guatemala tem todo o direito de se pronunciar e se defender de violações à sua soberania e abusos cometidos" pela Cicig.
Juristas debatem a possível ilegalidade da surpreendente decisão: enquanto uns a consideram adequada ao direito, outros sustentam que o governo desobedeceu sentenças da máxima instância judicial do país, a Corte de Constitucionalidade (CC), que avalizou a presença da Cicig.
Até o momento, foram apresentados cinco salvaguardas ante a CC contra o presidente e quatro delas pedem a destituição de Morales.
Várias entidades sociais organizam protestos na capital e no interior do país contra a medida governamental.
- Tensão acumulada -
A decisão de Morales ocorre depois de o Executivo tentar impedir no fim de semana a entrada no país do investigador colombiano Yinel Osorio, da Cicig, e de um longo enfrentamento com o chefe da missão, o ex-juiz colombiano Iván Velásquez, a quem Morales quis expulsar e posteriormente negou, em setembro passado, a entrada ao país quando estava em viagem nos Estados Unidos.
A relação de Morales com a Cicig é hostil desde o início de seu mandato, em 2016, depois que a entidade acusou seu filho e seu irmão de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Os dois estão à espera de julgamento.
A situação se agravou em agosto de 2017, quando a Cicig e a promotoria acusaram Morales de corrupção nas finanças de seu partido, quando venceu a Presidência, em 2015.
Nesta terça, o governo publicou no diário oficial a decisão que dá por concluído o acordo de criação da Cicig, cujo mandato terminaria em 3 de setembro.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, rejeitou categoricamente a decisão e exortou as autoridades guatemaltecas a respeitarem os compromissos sobre a comissão.
- Apoio à Cicig -
Igualmente, o ombudsman Jordán Rodas considerou que a decisão presidencial viola o Estado de Direito, os tratados internacionais e o convênio de criação da comissão. Por isso, apresentou uma salvaguarda junto à CC para revertê-la.
Rodas afirma que as ações do presente são um atentado à democracia e à luta contra a impunidade e a corrupção.
Por outro lado, a organização Ação Cidadã (AC), braço local da Transparência Internacional, apresentou na CC um recurso de salvaguarda contra o fim do acordo da Cicig e uma solicitação para destituir o presidente e a chanceler, Sandra Jovel.
Somaram-se à onda de críticas o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e a Anistia Internacional, segundo os quais a medida viola as obrigações internacionais e é "um novo atropelo na luta contra a impunidade".
- Repúdio à Cicig -
A cúpula empresarial, aglutinada no Comitê de Associações Agrícolas, Comerciais, Industriais e Financeiras (Cacif), apoia a retirada da Cicig, a qual denunciaram por "graves faltas ao devido processo".
"O encerramento da Cicig é uma decisão que está enquadrada em suas competências (governamentais) em virtude da Constituição" do país, acrescentou o Cacif em um comunicado.
No entanto, advertiu que a medida deve estar acompanhada "de medidas efetivas que assegurem a luta contra a corrupção e a impunidade".
O grupo de direita Guatemala Inmortal exortou a população a apoiar a decisão de Morales.
"A Cicig foi se apoderando do sistema de Justiça (...) e a pouca confiança que havia nos juízes desapareceu por culpa da Cicig", avaliou o dirigente José Luis González.
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