Decisão mostrou arrogância e espírito predatório
Sessenta e dois anos após o golpe militar de 31 de março, o país assistiu a um golpe de Estado parlamentar consumado por nove meses de ataques permanentes à democracia, humilhada por manobras sucessivas de um grupo de aventureiros que possui um discurso ético de provocar gargalhadas e nenhuma ligação com necessidades dos explorados e oprimidos. O traço mais característico dessa turma reside na disposição permanente para curvar-se em posição rastejante para atender interesses políticos e econômicos que em quatro eleições presidenciais sucessivas foram incapazes de conquistar o voto popular.
As responsabilidades por uma tragédia desta dimensão devem ser esclarecidas e de forma alguma acobertadas. A aliança de interesses que construiu a articulação Temer-Eduardo Cunha-PSDB-DEM é a grande responsável pelo golpe. Recebeu auxílio da grande mídia, de tribunais e instancias vizinhas, como o Tribunal de Contas União, cujo papel ativo na confecção da denúncia artificial de “pedaladas fiscais” só começa a ser desvendado. Também atendeu interesses internacionais, a começar pela cobiça em torno do pré-sal.
Já o Supremo Tribunal Federal destacou-se pelo papel passivo. Preferiu o silêncio e a reclusão quando era o caso de assumir a postura de garantir direitos constitucionais – como já fizera no debate sobre cotas raciais nas universidades, nas pesquisas sobre células tronco, nos matrimônios entre pessoas do mesmo sexo. São temas de importância absoluta na vida dos brasileiros. Mas não possuem o impacto histórico decisivo de um golpe de Estado no qual as regras da democracia são empregadas para sabotar a própria democracia, deixando dúvidas e incertezas sobre o futuro da liberdade para 200 milhões de brasileiros.
Protegido pelo golpismo de coalizão, que submete o país a todas as doenças do presidencialismo do mesmo nome, agravadas ao infinito pela ausência de qualquer ligação à soberania do povo, o novo governo nasce envelhecido e descartável. Está condenado a caminhar a passos trôpegos pela dificuldade de traçar um destino aceitável para a maioria de brasileiros, que conhece o próprio valor e não terá receio em dar demonstrações consecutivas de sua vontade e consciência.
Sem necessidade de tomar suas palavras pelo sentido literal, o discurso de Roberto Requião falando de "guerra civil" tem um significado compreendido por todos. Haverá resistência.
Com o oportunismo típico das personalidades que decidiram leiloar um passado de honras ao lado da população explorada para conseguir um prato a mesa dos antigos opressores, Marina Silva resolveu, dias atrás, culpar Dilma Rousseff pelos males e tragédias que podem ocorrer no país antes e depois do golpe.
É uma fraude sob encomenda, que pretende apagar responsabilidades pelo assalto a democracia, que um dia chegarão aos tribunais internacionais, que já condenaram os golpistas de Honduras e em breve julgarão seus colegas paraguaios. Não haveria golpe sem golpistas, os da mesma forma que não se pode falar numa epidemia sem apontar um vírus, nem de um roubo sem apontar o ladrão.
É preciso fazer uma ponderação a respeito, porém. A menos que se queria acreditar na lenda do pessimismo absoluto de que o Brasil está condenado a ser um país inviável, um vira lata com complexos que tem base na experiência real, e não em doutrinas colonizadoras, é preciso perguntar quais fatores ajudaram a derrubar um projeto sem dúvida vitorioso do ponto de vista de 99% dos brasileiros, que há 13 anos se encontrava no Planalto.
Seria cômodo deixar de apontar decisões e atitudes políticas que ajudaram a expor o governo Dilma e o Partido dos Trabalhadores ao ataque adversários históricos, contribuindo para enfraquecer uma proposta que, com todas as falhas que se possa apontar, permitiu vitórias importantes da maioria da população, que estarão sob ameaça constante após a confirmação de Michel Temer.
Exatamente por ser quem era, vir de onde veio, era previsível que um governo ligado a interesses populares profundos estava condenado a ser perseguido, destroçado e massacrado, por inimigos que tem a história atrás de si e o poder de Estado sob controle efetivo, permitindo alguns arranhões leves, de vez em quando. Mesmo tendo governado o país como nenhum de seus antecessores até aqui, exibindo um desempenho sem igual no atendimento das necessidades da maioria, não foi capaz de assegurar sua própria defesa, como se viu pelas ruas das últimas semanas, vazias de militantes e especialmente de trabalhadores e cidadãos.
Em vários momentos importantes, o governo Dilma foi capaz de tomar iniciativas de valor histórico. Aperfeiçoou o Bolsa Família, criou o Mais Médicos, assegurou a população nordestina uma proteção contra a seca sem paralelo. Como ministra e como presidente, sempre estará ligada ao Minha Casa, Minha Vida, maior projeto habituacional do planeta.
Mas é difícil negar os momentos em que teve uma dificuldade imensa para localizar as necessidades que precisaria atender para assegurar a sobrevivência de um mandato político.
O ponto sem retorno foi um ajuste mal calibrado, mal dirigido e mal explicado no final de 2014 e início de 2015, que promoveu o afastamento absoluto do governo por parte do eleitorado que havia dado sangue para garantir uma vitória que ameaçava escapar até o último minuto.
Acho válido repetir aqui uma ideia que escrevi num dos capítulos do livro A Outra História da Lava jato: "nascido como instrumento daquilo que ainda hoje se chama luta de classes, o Partido dos Trabalhadores jamais conseguiria sobreviver fora dela."
Como ensinam a experiencia de outras épocas e personagens, como Getúlio Vargas, João Goulart, não havia motivo para esperar um tratamento justo, igualitário, muito menos democrático, por parte de adversários em atividade alimentada pela cobiça predatória desde a chegada das caravelas de Pedro Alvares Cabral. Era preciso aguardar apenas por injustiça, arrogância e autoritarismo. Foi o que se consumou na tarde de hoje.
A nova situação a Dilma e seus aliados toda legitimidade para denunciar e resistir.
COPIADO http://www.brasil247.com/pt
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