Entrevista à senadora Kátia Abreu. "Se alguém mudou no meio deste processo não fui eu" PERFIL › Natural em Goiânia, licenciada em Psicologia, tem 54 anos e é a maior liderança do setor da agricultura do Brasil: liderou no Congresso a chamada "Bancada do Boi" e presidiu à poderosa CNA, representante de um milhão de produtores, antes de se tornar ministra de Dilma. › Viúva desde os 25 anos, geriu a fazenda do marido no estado do Tocantins sem qualquer formação na área. › Alvo dos ecologistas, foi apelidada Miss Desmatamento. Nos últimos anos, desenvolveu amizade com Dilma. Em dezembro, atirou um copo de vinho à cara de José Serra, hoje chefe da diplomacia, por este a ter chamado "namoradeira". Casou novamente em 2015 e escolheu visita ao país da avó, Portugal (Lisboa, Porto, Braga, Viana do Castelo e Peso da Régua), para a lua-de-mel

"Se alguém mudou no meio deste processo não fui eu"

Entrevista à senadora Kátia Abreu. É caso especial: eleita pelo PMDB, votará amanhã pelo regresso imediato à presidência de Dilma. Ao DN explica porquê. E como se tornou confidente da presidente afastada
Para quem acompanha o processo de impeachment do estrangeiro e não conhece as especificidades da política brasileira causa estranheza que uma senadora eleita pelo PMDB, partido de Michel Temer, seja contra a destituição de Dilma Rousseff. Como explica a sua posição?
Na verdade, eu tomei a decisão de continuar no mesmo lugar. Lutei em campanha para que o PMDB conquistasse a vice-presidência, briguei até no interior do meu partido para que fosse Michel Temer o indicado para o cargo, porque havia setores que queriam outros nomes, logo, se alguém mudou no meio de tudo o que aconteceu ao longo deste ano não fui, seguramente, eu. Eu estou onde sempre estive.
Tem sentido hostilidade dentro do seu próprio partido, que na esmagadora maioria apoia a confirmação do presidente interino no cargo, por defender a presidente afastada?
Não, não me posso queixar de algum tratamento menos cortês por parte dos colegas senadores do meu partido. Tenho sido, aliás, tratada com muita deferência e respeito, não só eu, como o senador Roberto Requião, que também é peemedebista e também votará contra o impeachment da presidente Dilma.
É conhecido o facto de que, enquanto ministra da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento do governo liderado por Dilma Rousseff, se tornou tão próxima da presidente que hoje são amigas pessoais. Como se deu isso?
Nós nunca podemos dizer que somos amigos íntimos de um presidente da República, não fica bem, pois não [risos]? É melhor deixar que sejam eles a dizê-lo. Mas, sim, tenho muito apreço e consideração por ela e esse sentimento só aumentou com o tratamento cuidadoso dela das questões agropecuárias, que são as questões da minha área, durante o seu segundo mandato. A nossa afinidade cresceu e a confiança estabeleceu-se entre nós. Nada mais do que isso.
Nos bastidores de Brasília classifica-se a vossa relação de "amizade improvável", dado o percurso político muito distinto das duas, uma mais pela direita, outra indiscutivelmente à esquerda, até se encontrarem no governo, na qualidade de ministra e presidente. Como vê essa classificação?
É improvável para pessoas que têm preconceitos ideológicos, mais nada. Devemos ter relações de amizade com os nossos semelhantes mas também com os nossos divergentes. Fácil é fazer amizade com quem é igual a nós, as amizades com quem é diferente de nós são mais especiais e, talvez por isso, mais fortes.
Estamos a meio do julgamento final e às vésperas do depoimento dela no Senado. Tem falado com a presidente?
Todos os dias.
Como tem sentido o estado de espírito da presidente, depois de um processo longo e desgastante e com a maioria das sondagens aos senadores a dar como quase certa a sua destituição?
Em todos os momentos, desde que começou este terrorismo político protagonizado pelo Eduardo Cunha [presidente afastado da Câmara dos Deputados e peemedebista], pelo Centrão [bloco de partidos que integrava o governo Dilma e agora faz parte do governo interino de Temer] e por parte do PMDB, que não a vejo com grandes abalos de humor. Sabe, a política para ela não é uma questão de vida ou de morte, é apenas uma questão de vida. Não leva as coisas que lhe fizeram tão a peito ao ponto de não dormir de noite ou de chorar. Simplesmente, vai até ao fim, de forma transparente, defendendo-se por todos os meios que tem ao seu dispor, incluindo depor no Senado, como está previsto no exercício da ampla defesa.
E com Michel Temer tem falado?
Não, não. Não acho que ele tenha muito interesse em falar comigo [risos].
Não se pode entrevistá-la sem citar o incidente em dezembro do ano passado, quando após uma breve troca de palavras numa festa com amigos comuns atirou um copo de vinho à cara do então senador e hoje ministro dos Negócios Estrangeiros, José Serra, do PSDB, por este a ter chamado "namoradeira". A esta distância, como vê o caso?
É um assunto tão lamentável... preferia, de facto, que não tivesse ocorrido, foi desagradável, foi evitável. Estávamos numa festa em casa do senador Eunício de Oliveira [PMDB], quando, enquanto falávamos amenidades numa roda de amigos, entre os quais o senador Ronaldo Caiado [DEM] e o presidente do Senado Renan Calheiros [PMDB], oiço uma afronta descabida do Serra e fiquei indignada. Aliás, ele tem um histórico de gracejos infelizes não só contra mulheres mas principalmente contra mulheres - veja o que ele disse agora no México [em visita oficial o ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil considerou "um perigo" que quase metade dos senadores mexicanos sejam mulheres]. Ele é dado, de facto, a gracejos infelizes. Mas quem diz o que quer leva o vinho na cara que não quer [risos].
Porque é que a agricultura brasileira, a sua área, é o único setor da economia que cresce mesmo num momento de crise profunda?
Porque é a vocação do país. Sabe que os países que não contrariam a sua vocação tendem a ser mais felizes. Há 40 anos começámos timidamente a tentar ser autossuficientes, sem ter de importar alimentos da Europa, mas, aos poucos, investimos em pesquisa, através da constituição da EMBRAPA [empresa brasileira de pesquisa agropecuária], e virámos um gigante. Se temos clima, se temos terra, se temos força de trabalho e se agora também temos tecnologia, não temos de temer ninguém. E a verdade é que nos tornámos o maior país agrícola do planeta.
E porque é que outros setores da economia brasileira não seguem o exemplo feliz da agricultura?
Talvez não se tenham dedicado tanto à tecnologia e à inovação. Tenho a profunda convicção de que quem investe em tecnologia e inovação tem sucesso garantido. A outros setores falta coragem de competir com o mundo, de enfrentar o mercado, de se jogar na competição - e mercado e competição é que nos fazem evoluir, não tenho a menor dúvida disso. Há muito medo, em forma de protecionismo, em setores da economia do país como a indústria, e nós não devemos temer nenhum país.
PERFIL
› Natural em Goiânia, licenciada em Psicologia, tem 54 anos e é a maior liderança do setor da agricultura do Brasil: liderou no Congresso a chamada "Bancada do Boi" e presidiu à poderosa CNA, representante de um milhão de produtores, antes de se tornar ministra de Dilma.
› Viúva desde os 25 anos, geriu a fazenda do marido no estado do Tocantins sem qualquer formação na área.
› Alvo dos ecologistas, foi apelidada Miss Desmatamento.
Nos últimos anos, desenvolveu amizade com Dilma. Em dezembro, atirou um copo de vinho à cara de José Serra, hoje chefe da diplomacia, por este a ter chamado "namoradeira". Casou novamente em 2015 e escolheu visita ao país da avó, Portugal (Lisboa, Porto, Braga, Viana do Castelo e Peso da Régua), para a lua-de-mel.

 copiado  http://www.dn.pt/mundo/

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