"Se alguém mudou no meio deste processo não fui eu"
Para
quem acompanha o processo de impeachment do estrangeiro e não conhece
as especificidades da política brasileira causa estranheza que uma
senadora eleita pelo PMDB, partido de Michel Temer, seja contra a
destituição de Dilma Rousseff. Como explica a sua posição?
Na
verdade, eu tomei a decisão de continuar no mesmo lugar. Lutei em
campanha para que o PMDB conquistasse a vice-presidência, briguei até no
interior do meu partido para que fosse Michel Temer o indicado para o
cargo, porque havia setores que queriam outros nomes, logo, se alguém
mudou no meio de tudo o que aconteceu ao longo deste ano não fui,
seguramente, eu. Eu estou onde sempre estive.
Tem
sentido hostilidade dentro do seu próprio partido, que na esmagadora
maioria apoia a confirmação do presidente interino no cargo, por
defender a presidente afastada?
Não,
não me posso queixar de algum tratamento menos cortês por parte dos
colegas senadores do meu partido. Tenho sido, aliás, tratada com muita
deferência e respeito, não só eu, como o senador Roberto Requião, que
também é peemedebista e também votará contra o impeachment da presidente
Dilma.
É conhecido o facto de
que, enquanto ministra da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento do
governo liderado por Dilma Rousseff, se tornou tão próxima da
presidente que hoje são amigas pessoais. Como se deu isso?
Nós
nunca podemos dizer que somos amigos íntimos de um presidente da
República, não fica bem, pois não [risos]? É melhor deixar que sejam
eles a dizê-lo. Mas, sim, tenho muito apreço e consideração por ela e
esse sentimento só aumentou com o tratamento cuidadoso dela das questões
agropecuárias, que são as questões da minha área, durante o seu segundo
mandato. A nossa afinidade cresceu e a confiança estabeleceu-se entre
nós. Nada mais do que isso.
Nos
bastidores de Brasília classifica-se a vossa relação de "amizade
improvável", dado o percurso político muito distinto das duas, uma mais
pela direita, outra indiscutivelmente à esquerda, até se encontrarem no
governo, na qualidade de ministra e presidente. Como vê essa
classificação?
É improvável
para pessoas que têm preconceitos ideológicos, mais nada. Devemos ter
relações de amizade com os nossos semelhantes mas também com os nossos
divergentes. Fácil é fazer amizade com quem é igual a nós, as amizades
com quem é diferente de nós são mais especiais e, talvez por isso, mais
fortes.
Estamos a meio do julgamento final e às vésperas do depoimento dela no Senado. Tem falado com a presidente?
Todos os dias.
Como
tem sentido o estado de espírito da presidente, depois de um processo
longo e desgastante e com a maioria das sondagens aos senadores a dar
como quase certa a sua destituição?
Em
todos os momentos, desde que começou este terrorismo político
protagonizado pelo Eduardo Cunha [presidente afastado da Câmara dos
Deputados e peemedebista], pelo Centrão [bloco de partidos que integrava
o governo Dilma e agora faz parte do governo interino de Temer] e por
parte do PMDB, que não a vejo com grandes abalos de humor. Sabe, a
política para ela não é uma questão de vida ou de morte, é apenas uma
questão de vida. Não leva as coisas que lhe fizeram tão a peito ao ponto
de não dormir de noite ou de chorar. Simplesmente, vai até ao fim, de
forma transparente, defendendo-se por todos os meios que tem ao seu
dispor, incluindo depor no Senado, como está previsto no exercício da
ampla defesa.
E com Michel Temer tem falado?
Não, não. Não acho que ele tenha muito interesse em falar comigo [risos].
Não
se pode entrevistá-la sem citar o incidente em dezembro do ano passado,
quando após uma breve troca de palavras numa festa com amigos comuns
atirou um copo de vinho à cara do então senador e hoje ministro dos
Negócios Estrangeiros, José Serra, do PSDB, por este a ter chamado
"namoradeira". A esta distância, como vê o caso?
É
um assunto tão lamentável... preferia, de facto, que não tivesse
ocorrido, foi desagradável, foi evitável. Estávamos numa festa em casa
do senador Eunício de Oliveira [PMDB], quando, enquanto falávamos
amenidades numa roda de amigos, entre os quais o senador Ronaldo Caiado
[DEM] e o presidente do Senado Renan Calheiros [PMDB], oiço uma afronta
descabida do Serra e fiquei indignada. Aliás, ele tem um histórico de
gracejos infelizes não só contra mulheres mas principalmente contra
mulheres - veja o que ele disse agora no México [em visita oficial o
ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil considerou "um perigo" que
quase metade dos senadores mexicanos sejam mulheres]. Ele é dado, de
facto, a gracejos infelizes. Mas quem diz o que quer leva o vinho na
cara que não quer [risos].
Porque é que a agricultura brasileira, a sua área, é o único setor da economia que cresce mesmo num momento de crise profunda?
Porque
é a vocação do país. Sabe que os países que não contrariam a sua
vocação tendem a ser mais felizes. Há 40 anos começámos timidamente a
tentar ser autossuficientes, sem ter de importar alimentos da Europa,
mas, aos poucos, investimos em pesquisa, através da constituição da
EMBRAPA [empresa brasileira de pesquisa agropecuária], e virámos um
gigante. Se temos clima, se temos terra, se temos força de trabalho e se
agora também temos tecnologia, não temos de temer ninguém. E a verdade é
que nos tornámos o maior país agrícola do planeta.
E porque é que outros setores da economia brasileira não seguem o exemplo feliz da agricultura?
Talvez
não se tenham dedicado tanto à tecnologia e à inovação. Tenho a
profunda convicção de que quem investe em tecnologia e inovação tem
sucesso garantido. A outros setores falta coragem de competir com o
mundo, de enfrentar o mercado, de se jogar na competição - e mercado e
competição é que nos fazem evoluir, não tenho a menor dúvida disso. Há
muito medo, em forma de protecionismo, em setores da economia do país
como a indústria, e nós não devemos temer nenhum país.
PERFIL
›
Natural em Goiânia, licenciada em Psicologia, tem 54 anos e é a maior
liderança do setor da agricultura do Brasil: liderou no Congresso a
chamada "Bancada do Boi" e presidiu à poderosa CNA, representante de um
milhão de produtores, antes de se tornar ministra de Dilma.
› Viúva desde os 25 anos, geriu a fazenda do marido no estado do Tocantins sem qualquer formação na área.
› Alvo dos ecologistas, foi apelidada Miss Desmatamento.
Nos
últimos anos, desenvolveu amizade com Dilma. Em dezembro, atirou um
copo de vinho à cara de José Serra, hoje chefe da diplomacia, por este a
ter chamado "namoradeira". Casou novamente em 2015 e escolheu visita ao
país da avó, Portugal (Lisboa, Porto, Braga, Viana do Castelo e Peso da
Régua), para a lua-de-mel.
copiado http://www.dn.pt/mundo/
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