Os hipócritas
Reproduzo a ótima análise de Breno Costa, no The Intercept Brasil:
Os novos donos do trono da hipocrisia É UM ENGANO achar que haverá
alguma mudança no Brasil com a quase confirmada queda de...
Reproduzo a ótima análise de Breno Costa, no The Intercept Brasil:
Os hipócritas
Reproduzo a ótima análise de Breno Costa, no The Intercept Brasil:
Os novos donos do trono da hipocrisia
É UM ENGANO achar que haverá alguma
mudança no Brasil com a quase confirmada queda de Dilma Rousseff. Uma
alegoria suficiente para explicar o que acontece no país precisa ir além
da velha história do bode na sala. Tira-se o bicho, mas o cheiro fica.
Aqui na nossa política, a sala está é lotada de bodes (e raposas).
Tira-se um, e ficam outros, muitos outros.
Remover Dilma do poder em razão de
irregularidades orçamentárias significaria – em um país onde “as
instituições estão funcionando”, como tentou nos ensinar o coerente
ministro Gilmar Mendes – que prefeitos, governadores, ministros,
deputados e senadores não durariam uma semana no cargo a partir do
primeiro recebimento de propina para direcionar contratos executados com
dinheiro do… orçamento público.
O afastamento de Dilma é político,
claramente político. Mas política não é crime. Então, me corrijo para
dizer que o afastamento é oportunista. Mais que isso, é hipócrita. Não
existe discurso técnico que convença alguém minimamente bem informado
que ela merecia ser deposta do cargo para o qual foi eleita em sufrágio
universal por conta de manobras orçamentárias que não resultaram em um
único centavo desviado para o seu bolso – e isso num país onde pululam
corruptos de fato.
A República brasileira está cheia
daqueles bodes e raposas, de todas as cores e pelagens, que, aí sim,
colocaram muito dinheiro público no bolso. Boa parte deles, ou ao menos
aqueles com os bolsos mais valorizados, está agora no Senado, apontando o
dedo para a irresponsável fiscal Dilma Rousseff. Dos 59 que ali estão e
que votaram a favor do impeachment na última sessão do Senado, 24 já
foram governadores ou prefeitos e, portanto, tiveram de lidar com o
orçamento e suas regras.
Proponho o seguinte exercício: leia
os pareceres de auditores fiscais dos tribunais de conta estaduais sobre
as contas desses ex-governadores e conte quantas e quais ressalvas são
feitas para se aprovar essas gestões.
Um exemplo. O ano de 2010, em Minas
Gerais, foi curioso pelo fato de ter dois governadores: Aécio Neves e
seu vice, Antonio Anastasia, que assumiu o posto depois de o mineiro ter
saído para concorrer ao Senado. Os dois, hoje, estão na linha de frente
da oposição a Dilma e estarão sentados de frente para ela na
segunda-feira. Anastasia inclusive presidiu a comissão especial do
impeachment, apresentando longo parecer condenatório. Aécio aspira ao
Palácio do Planalto desde que começou sua carreira política.
Convido você a ler o parecer dos
auditores do Tribunal de Contas do Estado, órgão formado
majoritariamente por ex-deputados e sempre muito favorável aos
governadores de ocasião. O documento mostra que, repetindo procedimentos
adotados em anos anteriores e que já tinham sido objeto de ressalvas, o
governo Aécio-Anastasia incluiu naquele ano, como despesas em saúde, R$
816 milhões em gastos feitos com saneamento básico pela Copasa (a
empresa de saneamento do governo de Minas Gerais). Essa manobra ajudou a
maquiar, segundo os auditores, a aplicação de 12% na área, exigidos
pela Constituição Federal – cujas regras são sempre bradadas para
apontar os erros de Dilma.
Embora os auditores e os conselheiros
do TCE tenham considerado que a falha não foi grave, no fim daquele
ano, a Procuradoria da República em MG entrou com uma ação por
improbidade administrativa contra os dois hoje senadores pela não
aplicação de R$ 14 bilhões na saúde ao longo de dez anos. Ela foi
arquivada logo de início porque o procurador-geral de Minas Gerais,
indicado ao cargo por Aécio Neves, não autorizou os procuradores a
investigar o ex-governador.
Aécio e Anastasia alegaram que quase
todos os Estados fazem a mesma coisa. Pois bem. Dilma hoje também
argumenta, com razão, que as pedaladas fiscais são feitas por todo mundo
– foi feita até por Michel Temer, como vice. A diferença prática é que
ela está prestes a ser deposta da presidência do Brasil, enquanto eles
posam no Senado de responsáveis fiscais e adoradores da Constituição.
O que muda, afinal?
Michel Temer, tudo indica, receberá
oficialmente a faixa presidencial na semana que vem e circulará com
menos constrangimento entre chefes de Estado de países que olham para cá
com uma visão mais crítica sobre o processo que está acontecendo. Mas e
aí? Muda o quê? E se ainda fosse Dilma ou Lula, o que seria diferente?
A política segue sendo feita da mesma
forma. O fisiologismo impera. A necessidade de agradar aliados é
explícita. Existe uma expectativa silenciosa entre parlamentares e
outros políticos, ou às vezes nem tanto, de que a confirmação de Temer
no poder representará a abertura das comportas para a repartição de
cargos na República para os padrinhos mais poderosos.
Para dar apenas um exemplo da
racionalização de fachada da máquina pública sob Temer: o governo
interino logo mandou modificar o sistema de cargos nos ministérios, além
de enxugar o número de pastas. Mandou para o Congresso uma medida
provisória pegando 10,5 mil cargos de livre nomeação no governo federal e
restringindo-os apenas a funcionários públicos. No entanto, a medida
não atinge os cargos de segundo e terceiro escalão, que seguem livres
para serem loteados entre aliados.
Para poupar vocês, vou citar um
exemplo somente desse falso choque de meritocracia. Temer colocou o
Incra, o órgão central do governo para promover a distribuição de terra
no país para quem dela precisa, sob controle político do deputado Paulo
Pereira da Silva, um sindicalista urbano, chefe da principal central
sindical que apoia o novo governo e acusado de corrupção.
Paulinho da Força, com esse poder
extraoficial em mãos, emplacou sem dificuldades ninguém menos que seu
filho no comando do Incra em São Paulo, responsável pelas negociações
envolvendo a sempre complicada região do Pontal do Paranapanema. Vamos
supor aqui que Lula ou Dilma tivesse dado esse poder sobre o Incra para o
presidente da CUT e que ele, por sua vez, tivesse colocado seu filho no
posto. Eu perderia a conta de reportagens na imprensa nacional sobre o
tema – e com razão, diga-se.
Sai o social, entra o empresarial
Por mais que seja incômodo falar o
óbvio, vamos lá: Michel Temer e toda a cúpula – repito, toda – do PMDB é
formada por pessoas despreocupadas com os pobres, com a desigualdade
social do país, se os negros morrem mais que os brancos, se a polícia
executa e depois diz que é confronto, se os direitos das mulheres são
desrespeitados diuturnamente. Para não cravar que todos são corruptos,
apesar de já terem surgidos indícios fortes contra todos eles, digo que
todos são políticos profissionais – e, por serem profissionais e não
ligarem muito para valores mais altruístas socialmente falando, estão
prontos para fazer o que for preciso para seguirem se destacando em suas
carreiras.
O alto poder político brasileiro é
moldado dessa maneira. Ou se age diretamente, ou se fecham os olhos.
Dilma mesmo fechou os olhos para muita coisa. Lula, então, nem se fala. É
um mal do sistema. Para chegar ao topo e se manter lá, é preciso deixar
as engrenagens da máquina operarem.
Podem dizer, “Ah, mas o Temer era
vice da Dilma. Ele também não vale nada, porque era associado com o PT.
Fora Temer também!”. Ok, é um argumento. Mas ele não resiste muito ao
fato de que, agora, o partido central de oposição no país desde 2003 – e
que se coloca como alternativa responsável de poder e que passou,
estranhamente, a empunhar a bandeira da ética desde o escândalo do
mensalão –, passou a ser um associado direto do projeto de Michel Temer.
O representante formal do governo no
Senado é do PSDB. O chefe da política externa brasileira é do PSDB. O
ministro responsável pela execução do programa Minha Casa, Minha Vida e
de obras de saneamento país afora é do PSDB. Os tucanos são sócios de
Temer. Eles não apoiam o Fora Temer. Eles desconsideram as pedaladas
assinadas pelo aliado. Eles querem Temer no poder até 2018, pavimentando
um caminho que permita ao partido ter realizações de alcance nacional
para mostrar aos eleitores, em 2018, e levar alguém do partido de volta
ao poder depois de 16 anos.
O PSDB, assim como o PT, tem sede de
poder. São partidos políticos, não organizações zen-budistas que querem
apenas disseminar a parte linda da democracia. O PMDB também está nesse
grupo, é claro, mas sempre se conformou a agir mais nas sombras, sem
necessariamente estar no comando supremo de tudo no governo federal. Não
há nenhuma fumacinha sinalizando que isso esteja mudando.
Gold medallist Brazil’s Thiago Braz
Da Silva (L) celebrates on the podium as people hold a banner reading
“out with Temer” (Brazil’s interim president Michel Temer) at the medal
ceremony for the men’s pole vault during the athletics event at the Rio
2016 Olympic Games at the Olympic Stadium in Rio de Janeiro on August
16, 2016. / AFP / FRANCK FIFE (Photo credit should read FRANCK
FIFE/AFP/Getty Images) Espectadores protestam o presidente interino
Michel Temer no Estádio Olímpico enquanto Thiago Braz Da Silva recebe
medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, dia 16 de agosto de 2016. Foto:
Franck Fife/AFP/Getty Images
Michel Temer pouco provavelmente será candidato a presidente. Há, e sempre haverá, muita disputa interna dentro do PMDB, e a chance de ele conseguir grandes coisas na economia até 2018 é remota. Além disso, se José Serra e Aécio Neves já quase se mataram na disputa interna dentro do PSDB, é pouquíssimo provável que o partido abra mão de disputar a Presidência nas urnas, ainda mais com Geraldo Alckmin no páreo e diante da fraqueza do PT.
Michel Temer pouco provavelmente será candidato a presidente. Há, e sempre haverá, muita disputa interna dentro do PMDB, e a chance de ele conseguir grandes coisas na economia até 2018 é remota. Além disso, se José Serra e Aécio Neves já quase se mataram na disputa interna dentro do PSDB, é pouquíssimo provável que o partido abra mão de disputar a Presidência nas urnas, ainda mais com Geraldo Alckmin no páreo e diante da fraqueza do PT.
Com o PSDB como sócio de Michel
Temer, é natural se perguntar o que, afinal, eles fariam de diferente
caso cheguem ao poder daqui a dois anos. Os governos tucanos mais
destacados, em São Paulo, Minas Gerais e Paraná sempre seguiram a mesma
lógica de fisiologismo praticada em paralelo pelo PT no governo federal.
Isso não muda e não mudará. É assim que as coisas funcionam no Brasil.
Qualquer iniciativa de meritocracia, ou mesmo de choque de gestão,
tenderá a ser de fachada.
As mudanças mais claras que podem
haver estão no comprometimento do governo com o lado privado, com
regulações que interessam a grandes empresas (nem a questão de
responsabilidade fiscal pode ser citada, dada a generosidade oportunista
caso o poder de barganha de quem pede seja bom).
Um exemplo de medida bem recente: na
última quinta-feira, o governo anunciou que vai liberar uma linha de
crédito de R$ 5 bilhões para permitir que empresas possam comprar de
maneira mais facilitada ações de outras companhias que estão quebrando.
As mudanças em marcos regulatórios
também vão nesta linha. Na mudança da Lei Geral das Telecomunicações, os
interesses das operadoras serão contemplados. O governo apoia, por
exemplo, a agilização de concessões de rádio e TV, atendendo a apelos da
Abert, a associação que faz o lobby das emissoras. A exploração do
pré-sal também será aberta, acabando com o monopólio da Petrobras sobre
os campos. Projeto nesse sentido deve seguir para o presidente Michel
Temer assinar já na outra semana, se as expectativas da base se
concretizarem na Câmara. No campo, o governo também está firme no
propósito de facilitar a vida dos empresários. Grandes propriedades
rurais serão liberadas para serem compradas por estrangeiros. E ainda
tem a reforma trabalhista e a previdenciária…
Na área social, as políticas de
assistência passam a ser tocadas de maneira muito mais focada em
conseguir que uma parcela da população que não pende naturalmente para o
eixo PMDB-PSDB passe a simpatizar com os engravatados de sapatos
lustrados e as mesóclises dos governantes de ocasião. Objetivo é
conseguir penetrar no Nordeste lulista e fazer com que um percentual
significativo desses eleitores dê uma chance a esse novo projeto de
poder em 2018. Portanto, não existe essa possibilidade tão disseminada
em boatos de que Temer acabará com o Bolsa Família. Ele não vai fazer
isso. Ele vai é aproveitar isso em seu favor.
O real perigo
O perigo para 2018 é que haja
mudanças mais reais. Mas pelo lado do conservadorismo e do
autoritarismo. Nesse campo, Alexandre de Moraes no comando da Polícia
Federal e com linha dura do Exército chefiando o serviço secreto, um bom
passo nessa direção já está dado. Mas com o fim dos grandes eventos
(Copa e Olimpíadas) e a tendência de haver um relaxamento das
autoridades considerando as dificuldades financeiras e a falta de
necessidade de vender ao exterior uma imagem de país seguro para
turistas, a chance de haver uma crise nacional no campo da segurança
pública até 2018 não é desprezível. Força Nacional no Rio Grande do Sul
era algo impensável até pouco tempo atrás. Mas corpos esquartejados nas
ruas de Porto Alegre deram a deixa.
Se juntarmos a isso o fato de que é possível que muitos dos que foram às janelas bater panelas contra Dilma se desencantem ao perceberem que a corrupção continua livre, leve e solta no país, as chances de figuras como Jair Bolsonaro fortalecerem seus discursos de salvação nacional podem crescer ao longo dos próximos dois anos… e aí sim teremos problemas.
Se juntarmos a isso o fato de que é possível que muitos dos que foram às janelas bater panelas contra Dilma se desencantem ao perceberem que a corrupção continua livre, leve e solta no país, as chances de figuras como Jair Bolsonaro fortalecerem seus discursos de salvação nacional podem crescer ao longo dos próximos dois anos… e aí sim teremos problemas.
Por ora, tudo continua como antes, apesar do reinado da hipocrisia.
copiado http://www.tijolaco.com.br/blog/os-hipocritas/
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