Suspeitos de “terrorismo” mantidos presos e isolados já são segregados: nova Escola Base?
Marcelo Auler
Um mês de investigações não permitiu à Polícia Federal indiciar nenhum dos 12 suspeitos presos entre 21 e 24 de julho sob a acusação de serem simpatizantes do Islamismo e terem ligações com o grupo terrorista Estado Islâmico (EI)Mesmo sem que nenhum deles tenha sido oficialmente indiciado em algum crime, na noite de quinta-feira (18/08), o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, renovou por 30 dias a prisão temporária. Oficialmente, segundo a nota divulgada pela Justiça Federal, um dos motivos da prisão é o fato deles simpatizarem com os “ideais difundidos pelo grupo extremista Estado Islâmico”. Na decisão, porém, também teve peso a realização dos “Jogos Paralímpicos Rio 2016″, entre 7 e 18 de setembro, no Rio de Janeiro, o que a nota omite.
Em uma atitude típica do Estado Policial, isolaram suspeitos, sem culpa formada, na expectativa de se garantir a segurança pública. Enquanto isso, em diversos pontos do país, facções criminosas continuam agindo e espalhando pânico, como ocorreu no Rio Grande do Norte; na Vila do João, no Rio; e no ABC paulista, no assalto à uma empresa de transporte de valores.
Para o juiz Josegrei, que havia prometido
rever as prisões após os primeiros 30 dias, “a despeito dos esforços
evidentes, a complexidade dos fatos em investigação e a quantidade de
indivíduos envolvidos justifica a não conclusão da análise do material
coletado, no prazo de 30 dias”.
Em manifestação feita na manhã desta
sexta-feira, a defensora pública Rita Cristina de Oliveira, responsável
pela defesa de 14 investigados, nove dos quais presos, criticou a
decisão do juiz principalmente por que ela “além de não trazer novos
elementos sobre a necessidade das prisões, não analisa, de forma
individualizada, a necessidade de renovação das prisões em relação a
cada um dos investigados, o que a torna flagrantemente violadora às leis
processuais e à Constituição da República”.
Muito embora a Justiça Federal do Paraná insista que o processo
continua em segredo, na verdade, os vazamentos seletivos que ocorreram
expuseram todos os presos à opinião pública.Não há como não se fazer um paralelo com outro caso nada dignificante para a imprensa brasileira: a história da Escola Base, ocorrido em 1994. Na época, fiando-se na palavra da polícia, a mídia de uma maneira em geral – com raras exceções – ajudou a massacrar quatro pessoas, com base no que a polícia falava. O tempo mostrou que eles não tinham qualquer culpa, mas já estavam arruinadas. A história se repetirá?
Suspeitos de “terrorismo” mantidos presos e isolados já são segregados: nova Escola Base?
Marcelo Auler
Um mês de investigações não permitiu à Polícia Federal indiciar nenhum dos 12 suspeitos presos entre 21 e 24 de julho sob a acusação de serem simpatizantes do Islamismo e terem ligações com o grupo terrorista Estado Islâmico (EI)Mesmo sem que nenhum deles tenha sido oficialmente indiciado em algum crime, na noite de quinta-feira (18/08), o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, renovou por 30 dias a prisão temporária. Oficialmente, segundo a nota divulgada pela Justiça Federal, um dos motivos da prisão é o fato deles simpatizarem com os “ideais difundidos pelo grupo extremista Estado Islâmico”. Na decisão, porém, também teve peso a realização dos “Jogos Paralímpicos Rio 2016″, entre 7 e 18 de setembro, no Rio de Janeiro, o que a nota omite.
Em uma atitude típica do Estado Policial, isolaram suspeitos, sem culpa formada, na expectativa de se garantir a segurança pública. Enquanto isso, em diversos pontos do país, facções criminosas continuam agindo e espalhando pânico, como ocorreu no Rio Grande do Norte; na Vila do João, no Rio; e no ABC paulista, no assalto à uma empresa de transporte de valores.
Para o juiz Josegrei, que havia prometido
rever as prisões após os primeiros 30 dias, “a despeito dos esforços
evidentes, a complexidade dos fatos em investigação e a quantidade de
indivíduos envolvidos justifica a não conclusão da análise do material
coletado, no prazo de 30 dias”.
Em manifestação feita na manhã desta
sexta-feira, a defensora pública Rita Cristina de Oliveira, responsável
pela defesa de 14 investigados, nove dos quais presos, criticou a
decisão do juiz principalmente por que ela “além de não trazer novos
elementos sobre a necessidade das prisões, não analisa, de forma
individualizada, a necessidade de renovação das prisões em relação a
cada um dos investigados, o que a torna flagrantemente violadora às leis
processuais e à Constituição da República”.
Muito embora a Justiça Federal do Paraná insista que o processo
continua em segredo, na verdade, os vazamentos seletivos que ocorreram
expuseram todos os presos à opinião pública.Não há como não se fazer um paralelo com outro caso nada dignificante para a imprensa brasileira: a história da Escola Base, ocorrido em 1994. Na época, fiando-se na palavra da polícia, a mídia de uma maneira em geral – com raras exceções – ajudou a massacrar quatro pessoas, com base no que a polícia falava. O tempo mostrou que eles não tinham qualquer culpa, mas já estavam arruinadas. A história se repetirá?
Precedente gravíssimo
– Para a defensora, que promete recorrer da decisão, “a manutenção de
prisões temporárias, de cidadãos nacionais, sem haver a delimitação
precisa de condutas criminosas, bem como nem mesmo depois de mais de 30
dias presos terem sido sequer ouvidos pelo Juízo responsável pelas
prisões e pior, sem ter havido indiciamento pela autoridade policial,
torna-se um precedente gravíssimo para o estado democrático de direito
brasileiro”.
Cabe aqui lembrar uma afirmação do próprio juiz Josegrei, no início de agosto, publicada na reportagem Defensora recorre ao Supremo contra isolamento dos “terroristas tupiniquins:
“Não estou prejulgando ninguém. Foi concedida a prisão temporária para facilitar a investigação com base nas suspeitas. Com o avançar das investigações e a análise do material apreendido, vou ter um panorama melhor se realmente havia risco”Falso e-mail -Na prática, ao que parece, não encontraram ainda provas para indiciar qualquer um dos 14 presos pela Lei Antiterrorismo – 12 em julho e outros dois em 11 de agosto, além de mais cinco investigados que estão em liberdade. Não será surpresa se, se não todos, alguns depois forem soltos sem responder a ação penal.
Trata-se, portanto, de uma prisão para “averiguações” e para isolar os suspeitos durante a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, mesmo sem qualquer indício concreto de que eles estariam preparando um atentado como foi falado amplamente pela mídia. Com a prorrogação da prisão, eles ficarão presos até 21 de setembro, três dias depois do término dos novos jogos.
Desde o início da Operação Hashtag, a Policia Federal agiu como se não houvesse sigilo. Ao serem presos, os suspeitos foram expostos aos fotógrafos. O próprio ministro da Justiça, Alexandre Moraes, que não deveria ter acesso às investigações sigilosas, deu declarações falando em desmonte de uma “célula do Estado Islâmico”. Ao mesmo tempo, porém, desclassificou o grupo, tratando-o de amador. Foi, no entender de muitos, mero marketing do governo interino que precisava criar notícias supostamente favoráveis.
No domingo (14/08) o Fantástico, da TV Globo, mostrou mensagens que Leonid El Kadre de Melo, um dos suspeitos,teria remetido a alguns outros participantes de um grupo. A mensagem falava em treinamento de artes marciais e utilização de “armas de pequeno e médio porte, assim como artilharia pesada”. O treinamento ocorreria na fronteira com a Bolívia. Leonid, junto com o irmão de criação Valdir Pereira da Rocha, são os dois únicos com condenações antecedentes, mas cumpriram toda a pena.
Zaine Kadri, mãe e advogada dos dois, já se manifestou no inquérito garantindo não existirem provas contra seus filhos. Ela garante que o e-mail vazado pela Polícia Federal, não existe, uma vez que não está no inquérito. É um documento falsificado. Ele não foi escrito por seu filho: – “esse e-mail foi formulado por um pseudo. Não tenho nome, foi um pseudo, que agiu no perfil do Leonid El Kadri de Melo, no perfil dele. Só no perfil. Criou um perfil para ele com o nome de Abu Khalled.
Garante que quem fez errou a data de nascimento, colocando dia e mês do nascimento do filho, mas o ano do nascimento do pai dele. “Ele desconfia que tenha sido uma ex-mulher dele, uma muçulmana, e o marido dela. Só isto que posso lhe falar”, desconversa sobre a suspeita que o filho levanta, até por se tratar de uma mulher doente.
Segundo ela, além de ser falso, o e-mail é anterior à Lei Antiterrorismo – Lei 13.260-, promulgada em 16 de março. Portanto, o falso e-mail nem pode ser utilizado como prova caso os acusados venham a ser indiciados por esta lei.
Outro ponto que ela destaca em defesa de todos, é que nenhum deles fez o chamado “batismo de Bahya”, pelo qual o muçulmano jura fazer por Alá o “bombástico”.” Também afirma, desmontando a tese de preparação de atos terroristas, que a polícia jamais localizou o que seria a “sede” onde ocorreriam os treinamentos convocados pelo e-mail que foi vazado, na fronteira com a Bolívia: “eles varreram a fronteira todinha e não encontraram esta sede. Não existe esta sede”.
Pelo que foi possível apurar, a polícia não apresentou ainda no inquérito o print da mensagem atribuída a Leonid. Tal mensagem apenas é citada em um relatório policial. Consta de um anexo, transcrito pela polícia, inclusive com uma forma muito correta no português, que desperta a atenção de quem o lê. A correspondência não teria sido enviada a todos os envolvidos. Aliás, alguns deles nem sem conhecem, inclusive virtualmente falando.
Por e-mail, através da assessoria de imprensa da Justiça Federal, o blog tentou falar com o juiz Josegrei, inclusive sobre o vazamento desta mensagem, mas não obteve resposta. Mas o que é fato é que a validade de documentos vazados pela polícia, estão e continuarão sendo questionados, aumentando as dúvidas em torno desta história.
Segregação social e familiar - Sem entrar no mérito da validade ou ão do e-mail, a defensora pública considerou a reportagem do Fantástico mais um desserviço. “Só serve para desinformar, dar ares de pânico”. Ela acrescenta:
“Me pareceu um vazamento seletivo, talvez para legitimar ações ou decisões de autoridades, como as próprias prisões, perante a opinião pública. Provas ou elementos colhidos devem ser discutidos nos autos da investigação, principalmente em processos que correm em segredo de justiça. Já basta o fato de que pessoas ainda na condição de investigados, portanto sem culpa formada, estejam sendo tão expostas ao ultraje público e às ações mais drásticas do estado, como o encarceramento em regime fechado”.Como noticiamos na matéria postada em agosto, os presos, na descrição da defensora pública, são “pessoas social ou emocionalmente vulneráveis.
Desde a semana seguinte às prisões, Rita Cristina pede a remoção deles da Penitenciária Federal de Campo Grande e cobra o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que sejam apresentados imediatamente ao juízo que expediu os mandados. Não conseguiu. Seu pedido foi rejeitado juiz Josegrei, assim como a Reclamação feita ao STF não foi acatada pelo ministro Marco Aurélio Mello. Um recurso apresentado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Sul do país) aguarda ser apreciado.
Ao longo deste tempo, o seu contato com os seus “assistidos” foi por intermediação de seus colegas, defensores públicos de Campo Grande. Na quinta-feira (18/08), pela primeira vez manteve diálogo direto com eles por meio de vídeo-conferência. Ficou preocupada com a situação e com o risco de uma maior segregação de pessoas que, como disse, são consideradas “social ou emocionalmente vulneráveis”:
“Não tem novidades possíveis de serem faladas. Nada que mude meu posicionamento em relação à temeridade de algumas prisões. Algumas muito mais temerárias que outras. Ao conversar com eles, confirmei que esse episódio dilacerou socialmente a vida de muitos deles, ainda que se considere que eles se expuseram a riscos com manifestações tidas como suspeitas e de apologia ao EI. Mas como nada de efetivamente concreto havia se apurado até então, o ideal era que o estado tivesse se valido de outras cautelas menos ultrajantes e de consequências menos graves. Alguns perderam empregos e estão automaticamente alijados do mercado de trabalho. Ao conversar com eles, como eu pude fazer só hoje (quinta-feira, dia 18/08) e por vídeo, talvez o juiz tivesse se convencido de que pelo menos algumas prisões não eram necessárias. O mundo virtual não é tão seguro assim para afiançar decisões tão drásticas. Mas, infelizmente, nem a Corte Suprema entendeu a necessidade de se realizar a audiência de custódia”.Após esse contato por vídeo, dúvidas novas lhe surgiram que merecem ser repartidas e repensadas, inclusive por nós jornalistas, na hora de lidarmos com casos como estes:
“O que o Estado fará com eles se não forem sequer processados criminalmente? E se forem absolvidos? Se o histórico de vulnerabilidade fez mentes externarem alguns desejos inconfessáveis no mundo virtual, a ação concreta e desautorizada, legal e constitucionalmente, do Estado pode ter consolidado uma situação de segregação social e familiar”, expõe.Sem provas palpáveis, não há como tipificar o crime que estes suspeitos poderão responder em juízo. Tanto assim, que nenhum dos 19 envolvido – 12 presos em julho e mais dois investigados em liberdade, e dois encarcerados em 11 de agosto, quando outros três foram levados coercitivamente para depor – foi ainda indiciado, ato em que a polícia especifica os crimes pelos quais o suspeito responderá. Nem mesmo por “promover” o terrorismo eles talvez possam ser enquadrados. Mas, ainda assim continuam isolados, sem contato com seus familiares.
Segundo a nota da Justiça Federal, ainda aguardam perícia 27 HDs, 14 telefones celulares e tablets, 15 DVDs e CDs, 12 pen-drives e outros dispositivos de armazenamento de mídia digital. Pela estimativa da própria Polícia Federal, há ainda relatórios de atividades em redes sociais que totalizam cerca de quatro mil páginas por investigado, ainda sob análise. Ou seja, provas podem surgir, mas hoje elas não existem e nem se sabe quando tudo isso será analisado, digerido..
A partir da análise de parte dos elementos coletados na primeira fase foi que o juiz autorizou a segunda fase ostensiva da investigação, deflagrada em 11/8 com o cumprimento de duas prisões temporárias, três mandados de condução coercitiva e mandados de busca e apreensão com a identificação de novos participantes. Todos os envolvidos são de São Paulo.
Cuidadosa, para não desrespeitar o segredo dos autos, Rita Cristina diz que, de tudo o que apareceu no processo eletrônico – que a qualquer hora pode ser acrescido de novas informações – ainda não há dado concreto de qualquer preparação de ato terrorista. Nem mesmo quando foram feitas as novas prisões, no início de agosto:
“Os elementos justificadores da prisão e conduções coercitivas são os mesmos que já constavam dos autos anteriores, todavia a identificação dos novos investigados só ocorreu agora, em especial por informações extraídas dos depoimentos dos investigados presos e pelo resultado posterior de algumas diligências de quebra de sigilo. Mas em termos de elementos concretos de ato preparatório de terrorismo ou de promoção de organização terrorista, ao meu ver, não houve avanço na investigação, pelo que consta até agora”.A Operação Hashtag, como noticiamos na postagem de agosto, foi deflagrada a partir de informações repassadas pelas agências de segurança norte-americanas à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Informações (ABIN). Com receio de possíveis atentados terroristas durante os Jogos Olímpicos, a prisão dos suspeitos foi pedida e acatada, apesar de inexistir nos autos qualquer referência à preparação de um atentado. Todos são incriminados com base na Lei Antiterrorismo, promulgada ainda no governo de Dilma
Sem desmerecer a vigilância necessária com relação a atos terroristas, apesar de só ter convivido com eles no período da Ditadura Militar e, na maioria das vezes, em atentados promovidos pelos militares e pela direita, não há como concordar em uma segregação do gênero por mera apologia que fosse.
Como lembra a defensora pública, mesmo o apoio a atos terroristas do EI, ainda que condenáveis, “é algo discutível em termos de tipicidade penal. Nada justifica a violação de direitos e garantias processuais de maneira tão escancarada. Nesse ponto me filio à fala do ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, quando disse que “o Estado não pode violar a lei para defender o estado de direito. Se abandonarmos nossos princípios constitucionais para proteger a liberdade que tanto apreciamos, teremos dado a vitória aos terroristas”.
copiado http://www.marceloauler.com.br/s
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