Como o WhatsApp mobilizou caminhoneiros, driblou governo e pode impactar eleições
Mobilização foi a maior já feita no mundo por meio do aplicativo, afirmam especialistas
SÃO PAULO USOU O WHATSAPP NAS NEGOCIAÇÕES
No estado de São Paulo, foi traçada uma estratégia diferente para negociar com os grevistas. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Marcos da Costa, irmão de um caminhoneiro hoje afastado da profissão, resolveu entrar nas negociações.
"Não era um movimento institucionalizado, respondendo a sindicatos e associações. Eram caminhoneiros que se esgotaram com o aumento do preço dos combustíveis e começaram a parar (de rodar). A comunicação deles por WhatsApp permitiu que se formasse uma onda muito rápida no Brasil inteiro", diz Costa.
Depois da negociação fracassada do governo federal na quinta-feira, Costa pediu que colegas advogados do setor de transportes procurassem identificar quem eram as lideranças dos caminhoneiros parados em São Paulo. Em seguida, no sábado de manhã, mais de 10 delas se reuniram na sede da OAB.
"No começo da reunião, os caminhoneiros pediram para tirar foto e fazer vídeo para compartilhar nos grupos de WhatsApp. Isso viralizou. E serviu para que a gente pudesse ter segurança da capacidade de mobilização daquelas pessoas", afirma o presidente da OAB.
Em seguida, foi montado um novo grupo de WhatsApp entre esses caminhoneiros e a OAB. "Esse grupo serviu de preparação das pautas de negociação. Ele canalizava as demandas dos caminhoneiros, porque cada pessoa dessas tinha interlocução com outros grupos de WhatsApp. Era uma rede gigantesca", diz Costa.
"Eu não tenho dúvida de que isso fez a diferença. Foi fundamental para abrir a possibilidade de diálogo com aqueles que estavam realmente à frente do movimento".
No sábado à tarde, o grupo de WhatsApp criado pela OAB se reuniu com o governo de São Paulo para negociar a desobstrução das estradas do Estado.
"Ainda durante a reunião, eles (os representantes dos caminhoneiros) mandaram mensagens de WhatsApp para a base pedindo para liberar (as estradas). Cerca de uma hora depois, vimos pela cobertura da mídia que a liberação estava começando. Foi o diálogo por WhatsApp que permitiu a primeira liberação de rodovia", diz o advogado.
O movimento dos caminhoneiros em São Paulo não acabou ali, mas de fato começou a diminuir. Ainda no sábado, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, esteve em São Paulo para participar das conversas com o grupo paulista, tomar conhecimento das pautas e tentar tirar as negociações de Brasília do limbo.
"A greve mostrou que vamos ter que criar mecanismos para dar conta de demandas apresentadas de forma completamente diferentes. Tradicionalmente, eram instituições que iam ao governo apresentar suas pautas. Hoje, vemos movimentos líquidos, absolutamente horizontalizados. A partir de agora, os governos vão ter que aprender a lidar com essa nova realidade e aprender a identificar canais que possam servir para diálogo", afirma Costa.
WHATSAPP FOI A PRINCIPAL FORMA DE CONTATO COM A MOBILIZAÇÃO
A primeira medição da importância do WhatsApp na greve dos caminhoneiros foi feita pelo Ipsos.
Na última terça-feira (29), o instituto de pesquisa entrevistou cerca de 1,2 mil caminhoneiros que usam um aplicativo de cargas. Dentre os entrevistados, quase metade (46%) soube da paralisação via WhatsApp.
É mais que o dobro de importância da própria estrada —18% souberam do movimento sendo parados por colegas enquanto rodavam com o caminhão. O Facebook veio em seguida, informando 8,5% dos entrevistados.
m número ínfimo de 1% foi convocado por sindicato ou associação. Entre os entrevistados, estão tanto caminhoneiros que estavam protestando, como quem ficou em casa ou estava rodando normalmente.
Por outro lado, nem tudo é digital. Entre o grupo mais ativo de caminhoneiros, que continuava parado nas estradas na última terça-feira, o corpo a corpo foi tão importante quanto a mobilização nas redes —39% tomaram conhecimento da greve na estrada, enquanto outros 39% souberam por WhatsApp e Facebook.
A importância do WhatsApp na greve também fica evidente em um boato que circulou no próprio app, alertando usuários para não atualizarem o aplicativo.
Segundo a mensagem, a atualização do WhatsApp teria sido determinada pelo governo federal para inviabilizar a comunicação de participantes da greve. O WhatsApp informou que essa informação não procede.
O DIA A DIA DOS GRUPOS DE WHATSAPP
Uma vez que a mobilização tinha começado, o WhatsApp foi fundamental para propagar informações, passar mensagens de motivação, angariar apoio e bater de frente com o governo do presidente Michel Temer.
É possível ter um retrato de como isso aconteceu pelo monitor do WhatsApp desenvolvido pelo projeto "Eleições Sem Fake", coordenado por Benevenuto, da UFMG. O sistema acompanha 182 grupos públicos com temática política e seleciona quais são as imagens mais compartilhadas diariamente.
É a única ferramenta brasileira que acompanha o que ocorre dentro do WhatsApp —seu uso é restrito a pesquisadores.
Segundo o monitor, um dia antes da greve começar, uma imagem de caminhões parados em uma estrada já estava entre as dez mais compartilhadas do dia: "greve geral pela baixa dos combustíveis, você apoia?". Era o movimento se organizando.
Já na segunda-feira (21 de maio), quando os caminhoneiros começaram a parar as rodovias, a greve foi a temática das cinco imagens mais compartilhadas do dia. Na terça-feira, idem —sendo que uma das imagens fazia um chamado: "caminhoneiros convocam população, sozinho (sic) não conseguiremos".
Na quinta-feira (24 de maio), quando o governo de Michel Temer buscou negociar com lideranças de organizações de caminhoneiros, o topo de compartilhamentos foi uma imagem com a hashtag "Somos Todos Caminhoneiros" e outra com a frase "A greve continua".
Também circularam memes culpando o PT pela crise e, no sentido oposto, dizendo que a crise começou porque o PT saiu do governo. Em seguida, pedidos de intervenção militar passaram a despontar.
Já na última terça-feira (29 de maio), quando o protesto dos caminhoneiros já estava perdendo força, os grupos de WhatsApp foram tomados por críticas à baixa adesão da população ao protesto: "Povo tem o governo que merece: reclama ficar 3h na fila do hospital, mas fica 8h na fila do posto de combustível".
INFORMAÇÕES REAIS DUELAM COM FAKE NEWS
Nesse meio tempo, foram surgindo grupos de WhastsApp de apoiadores dos caminhoneiros, para troca de informações sobre a greve. A BBC Brasil acompanhou seis deles.
Em meio a mensagens verdadeiras, circulavam muitas notícias falsas e desatualizadas. Entre elas, vídeos dizendo que manifestantes tinham ocupado Brasília e imagens informando que militares estariam prestes a tomar o poder.
No começo desta semana, foi feito um apelo nos grupos: que os caminhoneiros passassem a informar data, hora e local da mensagem de áudio ou vídeo, já que tudo estava mudando muito rapidamente e era preciso identificar se se tratava de algo novo ou não.
Em um dos grupos, criado no dia seguinte à greve, o administrador deletou mais de 200 participantes acusados de promover "fake news".
"A ideia do WhatsApp é a comunicação ponta a ponta. Não tem impulsionamento de mensagens, como no Facebook. Então, a empresa não tem influência no diálogo. São grupos se auto-organizando e repassando essas mensagens", afirma Benevenuto.
É uma via aberta, por onde trafegam os diferentes ideiais de uma sociedade. "Eu me lembro de ver a primavera árabe, em 2011, e pensar: 'as redes sociais vão virar movimento político, vão alavancar a democracia, vão abrir a cabeça das pessoas, não tem como governos autoritários controlarem uma coisa dessas'. E hoje vemos que pode ser usada para qualquer dos lados. Tem pedido de intervenção militar, notícia falsa...", diz o pesquisador da UFMG.
WHATSAPP VAI SER IMPORTANTE NAS ELEIÇÕES DE 2018
O WhatsApp, usado por 60% da população do Brasil, já é uma das principais fontes de informação no país.
Segundo o Digital News Report de 2017, um estudo sobre o consumo de notícias produzido em conjunto pela Reuters Institute e pela Universidade de Oxford em 36 países, 46% dos brasileiros usam WhatsApp para encontrar notícias.
O número é muito maior do que a média mundial, de 15%, e chamou a atenção dos pesquisadores. No estudo, eles destacaram que o WhatsApp cresceu tanto no Brasil que já está rivalizando com o Facebook —usado por 57% dos brasileiros para encontrar notícias.
"A greve de caminhoneiros aponta totalmente como pode ser o uso do WhatsApp nas eleições de 2018", diz Maurício Moura, pesquisador da George Washington University, nos Estados Unidos, que analisou o uso do aplicativo nas eleições de 2014.
Segundo o pesquisador, a tendência é que o debate eleitoral deste ano ocorra muito dentro do app de conversas.
"A rede social das eleições de 2018 vai ser o WhatsApp. Hoje, muito mais pessoas têm smarthphones no Brasil do que em 2014", avalia Moura, que também já trabalhou com campanhas políticas e é fundador da Ideia Big Data, que realiza pesquisas de opinião.
"Agora, não tem como fazer campanha no WhatsApp sem números de telefone. Por isso, a primeira estratégia dos candidatos e partidos é coletar números de celular, em eventos, fan pages...".Mesmo antes da campanha, já há diversos grupos de apoiadores de candidatos, como Jair Bolsonaro.
"A tendência é as pessoas se organizarem nos grupos de WhatsApp em torno de candidatos e pautas. Por outro lado, pessoas que querem desestabilizar as campanhas umas das outras também estarão operando nos grupos de WhatsApp com bastante intensidade", diz Yasodara.
O combate às notícias falsas, que se tornou uma grande preocupação desde a eleição de Donald Trump, em 2016, promete ser muito mais difícil no WhatsApp.
O Facebook, por exemplo, se comprometeu a não impulsionar páginas que promovam notícias falsas. A rede social pode fazer isso porque funciona como uma mediadora das publicações. Já no WhatsApp, onde não há nenhuma forma de controle externo, isso é impossível.
"Enquanto Facebook e Twitter estiveram sob forte escrutínio nos últimos tempos, o WhatsApp passou um pouco batido. Porém, o app é extremamente utilizado dentro do Brasil. Com toda essa atenção que se deu às outras redes, muito do esforço de campanha política migra para o WhatsApp, onde não há quase nenhum monitoramento", diz Benevenuto, da UFMG.
No WhatsApp, combater notícias falsas e discursos de ódio "é um desafio tão complexo quanto regular o discurso dentro das casas das pessoas", compara Yasodara.
"Como a sociedade faz para que os pais não ensinem aos filhos que o nazismo é uma coisa legal? Primeiro, criminaliza o que é ilegal. Segundo, traz cada vez mais informações verdadeiras para o debate público", afirma a pesquisadora de Harvard.
Colaboraram Juliana Gragnani, André Shalders e Felipe Souza
BBC BRASIlcopiado https://www1.folha.uol.com.br
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