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Recessão fez despencar número de viagens de caminhão
Frota, que havia sido inflada por subsídios do governo, teve ociosidade e desemprego após a crise
Érica Fraga
SÃO PAULO
O movimento dos caminhões nas estradas brasileiras é, hoje, 26% inferior ao registrado entre 2003 e 2007, segundo cálculos da consultoria A.C.Pastore & Associados.
A queda se deveu ao impacto do colapso da demanda por frete, em meio à recessão, sobre uma frota inflada após anos de empréstimos subsidiados pelo governo ao segmento de transporte de carga.
A ociosidade do setor causada pela combinação desses dois fatores explica, segundo analistas, a crise que culminou no recente movimentoque paralisou o país e gera dúvidas sobre a eficácia das medidas negociadas com o governo para aliviar o setor.
“A recessão acentuou o problema de ‘sobreoferta’ que havia sido criado pelo excesso de financiamentos”, diz Caio Carbone, economista da A.C.Pastore & Associados.
Para estimar a circulação dos caminhões, a consultoria construiu um indicador que é resultado da divisão do fluxo de veículos pesados nas estradas com pedágio pelo tamanho da frota (veja quadro).
Os dados mostram que, em março deste ano, a circulação dos caminhões permanecia em um nível histórico muito baixo, embora estivesse 8,3% acima do pior momento ocorrido em outubro de 2016.
A queda na atividade tem levado as empresas de transporte a demitirem funcionários, após um período de forte expansão da mão de obra.
Um exemplo disso, captado por dados oficiais, é o que aconteceu com a categoria de profissionais empregados como motoristas de caminhão de rotas regionais e internacionais, com carteira de trabalho assinada.
Entre 2003 e 2014, o estoque de vagas na ocupação passou de 416 mil para 949 mil, um aumento de 128%. A expansão foi quase o dobro do crescimento também expressivo de 68% no número de postos de trabalho do mercado formal como um todo, segundo dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais).
Com a recessão, houve forte reversão no movimento de contratação dos motoristas de caminhão.
Entre 2014 e 2016 —ano mais recente para o qual há dados disponíveis—, a categoria perdeu quase 72 mil vagas. Foi a oitava profissão, entre mais de 2.500, que mais eliminou postos de trabalho, em termos absolutos no período.
Analistas acreditam que parte desses profissionais passou a atuar no mercado informal ou como conta própria, disputando um mercado severamente abalado pela crise e pelo excesso de veículos.
A remuneração da categoria que, em 2016, era, em média, R$ 2.113 por mês, segundo dados do Ministério do Trabalho, provavelmente caiu. E a baixa escolaridade dos profissionais —quatro em cada dez motoristas têm apenas o ensino fundamental— pode dificultar sua inserção em outros segmentos do mercado de trabalho.
“O maior problema dos caminhoneiros é falta de demanda por frete. Parte deles vive uma situação praticamente de desemprego”, diz Armando Castelar Pinheiro, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Para especialistas, isso ajuda a explicar a grande adesão de motoristas às paralisações contrárias à prática de reajustes diários no preço do diesel pela Petrobras, ainda que empresários do setor tenham ajudado a organizar o movimento, como afirma o governo.
“Era importante alterar a política intervencionista da administração anterior, mas não migrar de um extremo ao outro”, afirma Carbone.
Ele ressalta que a prática de reajustes diários, neste momento em que o preço do barril de petróleo convertido para reais está em seu maior nível em duas décadas, atingiu de forma severa os segmentos mais dependentes de combustível.
“Sabendo da situação do setor, o governo poderia ter adotado algum mecanismo para suavizar os repasses”.
O problema, segundo o economista, é que a administração de Michel Temer perdeu a habilidade para governar há um ano, após o vazamento da conversa entre o presidente e o empresário Joesley Batista.
“Esse é um governo que não tem capacidade de propor qualquer coisa”, diz Carbone.
Para Castelar, além de o governo não ter conseguido se antecipar à crise, adotou medidas que não resolverão o principal problema do setor, que é a falta de demanda:
“Ao deixar o problema atingir a escala que atingiu, a narrativa se perdeu, ficou com foco no diesel, quando deveria ser na demanda”.
Se tivesse agido preventivamente, diz o economista, o governo poderia ter adotado alguma solução que ajudasse os caminhoneiros a atravessar a crise, como a criação de uma espécie de seguro-desemprego para o segmento:
“Seria provavelmente mais barato e mais eficaz. Um dos problemas com a redução do preço do diesel é que só uma parte dela vai para o caminhoneiro. Ela beneficia desde as empresas de transporte público até carros de luxo da Mercedes-Benz”.
Além disso, afirma Castelar, há o risco de que as medidas adotadas tenham efeitos colaterais indesejados que prejudicariam ainda mais os caminhoneiros:
“A concorrência vai aumentar, clientes podem pedir desconto. Esses fatores podem reduzir o valor do frete”.
Outro perigo, segundo economistas, é que as paralisações aumentem a incerteza entre consumidores e empresários, reduzindo consumo e investimento, o que seria ruim para vários setores econômicos, inclusive o de transporte de carga.
copiado https://www1.folha.uol.com.br/mercado/
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