FHC rechaça eleição, mas pede ao PT que se habitue à competição democrática
Num tortuoso artigo publicado neste domingo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais articuladores do impeachment, faz uma ode ao cinismo e à hipocrisia; depois de ver seu partido perder quarto eleições presidenciais, ele "lamenta" que o golpe tenha "ingloriamente culminado com quem talvez menos culpa tenha no cartório, a ainda presidente Dilma"; em seguida, ele critica a tese de novas eleições defendida pela ampla maioria da população e afirma que se deve atravessar a "pinguela" com Michel Temer no poder; por último, manda um recado aos adversários: "Que se reconstruam, desistam das hegemonias e se habituem à competição democrática e à alternância no poder"; pelo jeito, FHC defende a conquista do poder sem voto
247 – Não
foi à toa que a pecha de golpista grudou de vez no ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso e impediu até que ele participasse de um
recente encontro de intelectuais nos Estados Unidos (leia aqui). Basta ler seus artigos, que são exercícios de cinismo e hipocrisia.
Neste domingo, FHC
comprova mais uma vez seu talento nessa arte. Depois de ver seu partido
perder quarto eleições presidenciais, ele "lamenta" que o golpe tenha
"ingloriamente culminado com quem talvez menos culpa tenha no cartório, a
ainda presidente Dilma."
Em seguida, ele critica a tese de novas eleições defendida pela ampla maioria da população (leia aqui) e afirma que se deve atravessar a "pinguela" com Michel Temer no poder – algo que só 17% dos brasileiros desejam.
Por último, manda um
recado aos adversários: "Que se reconstruam, desistam das hegemonias e
se habituem à competição democrática e à alternância no poder." Pelo
jeito, FHC defende a conquista do poder sem voto.
Confira abaixo:
A História ensina
Por Fernando Henrique Cardoso
Em julho passado André
Franco Montoro faria 100 anos. Num país desmemoriado é bom recordar:
Montoro foi dos raros políticos capazes de, sendo realistas, não deixar
de lado os sonhos, as crença, os valores.
Em época de pouco-caso
com o meio ambiente, Montoro exortava as pessoas a plantar hortas, a dar
preferência à navegabilidade dos rios, a deixar de lado os egoísmos
nacionais e olhar para a América Latina, a dizer não à bomba atômica. E,
principalmente, a entender que a política requer desprendimento e
grandeza. Foi assim quando, quase sozinho, impôs ao antigo PMDB um
comício pelas eleições diretas-já na Praça da Sé, em 1984. E outro
exemplo nos deu quando, lidando com outros gigantes, apoiou Tancredo
Neves para a disputa no Colégio Eleitoral.
Conto um episódio. Nos
preparativos para a eleição indireta do novo presidente, a Veja publicou
uma entrevista de Roberto Gusmão, então chefe da Casa Civil de Montoro,
em que este, falando por São Paulo, lançava o nome de Tancredo Neves
para concorrer pela oposição. Na época, além de muito ligado a Ulysses
Guimarães, eu era presidente do diretório do PMDB de São Paulo. Ulysses,
como fazia habitualmente, passou na manhã subsequente à publicação da
entrevista pelo casarão que então sediava o partido. Perguntou-me de
chofre: “Isso é coisa do Gusmão ou do Montóro?” – como ele
pronunciava. Confirmei que era opinião do governador de São Paulo. “E
você, o que acha?” Disse-lhe: “O senhor sabe dos laços de respeito e
amizade que nos unem, mas nas circunstâncias é a opção para ganharmos no
Congresso”. Redarguiu: “Quero ouvir isso do Montóro”.
E, assim, uma noite
jantamos Montoro, Ulysses, Gusmão e eu, e cada um de nós, sob o olhar
severo de Ulysses, confirmou suas opiniões. Ulysses não teve dúvidas:
chefiou a campanha pela eleição de Tancredo. De fato, eleitoralmente
quem poderia concorrer com Tancredo era Montoro, dado o volume de votos
de São Paulo, que pesariam em eleições diretas. Tancredo, entretanto,
teria vantagens táticas no convencimento de um Colégio Eleitoral
composto por congressistas. Realista, Montoro logo propôs o nome mais
viável. Vencemos.
Então estava em jogo a
redemocratização do País, a convergência era necessária. Ela teve que
ser ampliada para englobar os que antes eram adversários. Assim
atravessamos o Rubicão e fomos, pouco a pouco, reconstruindo a
democracia. Escrevo isso não só para valorizar a trajetória política e
humana de gigantes como Montoro, Ulysses e Tancredo, mas para fazer
paralelo com o presente.
Para o Brasil poder se
reconstruir, depois do tsunami lulopetista, ingloriamente culminado com
quem talvez menos culpa tenha no cartório, a ainda presidente Dilma, é
preciso grandeza. Não nos iludamos: estamos atravessando uma pinguela, a
ponte é frágil. Sempre fui renitente a processos de impeachment porque,
mesmo quando bem fundamentados, como o atual, implicam destronar alguém
que teve o voto popular e entregar o poder a quem também o recebeu, mas
de forma mediata, em comparação com o(a) presidente(a) a ser
destronado(a). Contudo a Constituição deve ser respeitada.
O mais provável é que
nos levasse a uma escolha precipitada, se não à via indireta do
Congresso Nacional, pela impossibilidade de se obter a renúncia da
incumbente e do vice. Mesmo que a destituição de ambos viesse por ordem
do Tribunal Superior Eleitoral, isso só ocorreria no próximo ano, quando
a Constituição manda que a eleição seja indireta.
Logo, o que de melhor
temos a fazer é fortalecer a pinguela, caso contrário caímos na água; e
quem sabe, fortalecida, a pinguela se transforme mesmo em ponte para o
futuro. Não é tarefa fácil e não cabem hesitações nem ambições pessoais.
A desorganização da economia, da política e da vida do povo causada
pelos desatinos dos governos petistas vai requerer serenidade, firmeza,
objetivos claros e muita persistência. Não é momento para exclusões. O
PT e seus aliados são partes da vida nacional. Que se reconstruam,
desistam das hegemonias e se habituem à competição democrática e à
alternância no poder.
Precisamos fixar algumas
prioridades, aliás, sabidas. Primeiro, consertar a economia, começando
pelas finanças públicas e por aceitar que gastar sem haver recursos não é
política “de esquerda”, é erro; e quem paga as consequências dos erros
(desemprego, inflação e desinvestimento) é o povo. Segundo, que não dá
para governar com dezenas de “partidos” que são meras letras justapostas
para obter vantagens financeiras; a cláusula de desempenho e a
proibição de coligações nas eleições proporcionais se impõem. Terceiro,
não basta o equilíbrio fiscal, é preciso alcançá-lo de modo favorável ao
crescimento e à redistribuição de renda; o crescimento, em nosso caso,
vai depender de o Estado bem desempenhar o seu papel de regulador (por
exemplo, nas parcerias público-privadas e nas concessões) e se abster de
abarcar tudo. Quarto, que algum sinal na Previdência (por exemplo, a
fixação progressiva de uma idade mínima para as aposentadorias) e no
mercado de trabalhos (por exemplo, apoiar a sugestão do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo que dá maior peso às negociações) será
importante. Por fim, é preciso entender que a agenda do atraso,
preconizada por setores fundamentalistas, que se opõem aos direitos
sociais e às políticas de identidade (de gênero, cor, comportamento
sexual, etc.) e equalizadoras (as cotas, as bolsas, etc.), é tão
perniciosa quanto a paixão pela hegemonia voluntarista.
*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
copiado http://www.brasil247.com/pt/
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