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"Eu, empregada doméstica". Brasileiras denunciam abusos dos patrões
O que diria a sua empregada doméstica sobre si? "Eu, empregada doméstica": o que elas contam (nas costas) sobre os patrões
"Joyce,
tu foste contratada para cozinhar para a minha família, e não para ti.
Por favor, traz uma marmita e um par de talheres". Esta foi uma das
frases que Joyce Fernandes, de 31 anos, ouviu quando era empregada
doméstica e que mais a marcou.
Agora, a brasileira professora de história e cantora de hip hop criou uma hashtag - Eu
empregada doméstica - nas redes sociais que se tornou viral e tem
servido para muitas mulheres revelarem abusos pelos quais passam.
Joyce
criou o movimento quase sem querer. Fê-lo para desabafar e ficou
surpreendida pela quantidade de pessoas que, como ela, tinha histórias
para contar. Decidiu depois criar uma página no Facebook e o número de
comentários e gostos só aumentou. Em menos de duas semanas, a página
acumulou mais de 110 mil seguidores e muitos desabafos.
"O
meu objetivo é provocar e dar voz a quem não tem voz. Esse tipo de
tratamento desumano acontece entre quatro paredes e essas mulheres, a
maioria negras, não têm com quem desabafar", disse Joyce Fernandes à BBC.
"Quero
expor o que está a ser varrido para debaixo do tapete" continua. "É
preciso humanizar a relação entre patrões e empregados. Muitas vezes,
naturalizamos agressões e opressões e isso está errado", acrescenta.
Para
a professora que usa o hip hop para falar das questões sociais com os
alunos, esta questão está ligada ao passado de escravatura.
"Infelizmente, para nós, mulheres negras, ser empregada doméstica é algo
hereditário. Minha mãe, minha tia e minha avó foram empregadas
domésticas. Não é possível dissociar isso da nossa história de
escravidão."
Umas das patroas de Joyce
fez questão de deixar claro que aquele seria sempre o seu futuro. Quando
pediu para sair mais cedo uma vez porque tinha de estudar para um
exame, "ela recusou" e disse "que meu destino era ser empregada
doméstica, como todas as mulheres da minha família".
Dos
relatos que recebe desde que criou a página no final de julho, o que
mais chocou Joyce foi o da mulher de 76 anos que era obrigada a subir
vários andares do prédio onde trabalhava há vários anos porque o
elevador de serviço estava avariado e ela era proibida de usar o
principal.
Na página Eu Empregada Doméstica,
várias mulheres partilharam anonimamente momentos difíceis que
enfrentaram em casa dos patrões. Muitos são de humilhação e exclusão, ou
"desumanização", como descreve Joyce Fernandes.
Há
a história de uma menina de 10 anos que limpou uma casa a pedido de uma
amiga da mãe e trabalhou das oito horas da manhã às 18 horas, sem
comer, e recebeu no final 3,50 reais, o equivalente a 90 cêntimos. A
patroa disse que não pagou mais porque ela não limpou as louças de um
dos armários.
A história da ama que foi
avisada para "evitar ao máximo contactos físicos com a criança" de quem
cuidava. Isto queria dizer não abraçar, beijar, não deixar a criança
cheirar a empregada e só pegar ao colo se fosse extremamente necessário.
Ou
a história da mulher que foi repreendida por estar a comer um bolo, que
era comida dos patrões, e teve de ver a patroa a meter o bolo inteiro
em que ela tinha tocado no lixo. Esta mulher contou ainda que várias
vezes ia a restaurantes com os patrões, porque tinha de cuidar do filho
deles, mas não podia comer. "Sentamos numa mesa para 4 pessoas, o
empregado chega com o menu, serve os três primeiro e quando ousa me
servir ouve: para ela não. Ela já comeu". Naquele dia, tal como em
muitos outros, ela só tinha tomado o pequeno-almoço e ficou mais de 10
horas sem comer.
Outro testemunho conta
que a mãe de uma das utilizadoras foi empregada doméstica durante
muitos anos e foi proibida de comer a mesma comida que os patrões e
dentro de casa. Só lhe restava comer ovos nos degraus da porta da frente
todos os dias.
copiado http://www.dn.pt/portugal/in
Ex-empregada doméstica lança campanha nas redes sociais para denunciar abusos de patrões
"Joyce, você foi
contratada para cozinhar para a minha família, e não para você. Por
favor, traga marmita e um par de talheres e, se possível, coma antes de
nós na mesa da cozinha; não é por nada; só para a gente manter a ordem
da casa."
Essa foi, segundo a paulista Joyce Fernandes, de 31
anos, uma das frases que ouviu de uma ex-patroa em seu último trabalho
como empregada doméstica, em 2009. Hoje professora de História, ela decidiu criar a hashtag #EuEmpregadaDoméstica e uma página homônima no Facebook para denunciar o que chamou de "abusos dos patrões".
"Meu objetivo é provocar e dar voz a quem não tem voz. Esse tipo de tratamento desumano acontece entre quatro paredes e essas mulheres, a maioria negras, não têm com quem desabafar", conta ela à BBC Brasil.
"Quero expor o que está sendo varrido debaixo do tapete. É preciso humanizar a relação entre patrões e empregados. Muitas vezes, naturalizamos agressões e opressões. Isso está errado", acrescenta.
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"Venho fazendo terapia e, nesse processo de autoconhecimento, tive a ideia de compartilhar uma situação que havia sofrido na minha página no Facebook com a hashtag #EuEmpregadaDoméstica. Queria encorajar pessoas que talvez tivessem passado pela mesma coisa", lembra.
O sucesso instantâneo surpreendeu Joyce.
"Fiquei chocada com a quantidade de comentários. Meu celular travou com tantas notificações. Criei, então, uma página no Facebook especialmente para compartilhar esses relatos", acrescenta.
A página, criada à meia-noite desta quinta-feira, já tem mais de 20 mil seguidores.
'Tratamento desumano'
Entre as centenas de relatos que recebeu, Joyce diz ter ficado particularmente comovida com o de uma empregada doméstica de 76 anos que teve de subir vários andares de escada porque o elevador de serviço do prédio onde trabalhava havia quebrado."O filho dela me contou que a mãe trabalha há 30 anos com a mesma família. Eles moram em um prédio de alto luxo. O elevador de serviço quebrou e, impedida de usar o social, ela acabou tendo de subir vários andares de escada", diz.
Segundo Joyce, a profissão de empregada doméstica deveria "acabar", pois se trata de um "resquício da escravidão".
"Mas enquanto isso não acontece, temos de lutar por um tratamento mais humano e igualitário. Não queremos ser da família. Também não queremos desrespeitar hierarquia. Queremos apenas um tratamento justo", afirma.
"Infelizmente, para nós, mulheres negras, ser empregada doméstica é algo hereditário. Minha mãe, minha tia e minha avó foram empregadas domésticas. Não é possível disassociar isso da nossa história de escravidão."
Joyce diz que ouviu de outra patroa que não deveria estudar por causa de sua "condição social".
"Eu lhe havia pedido para sair mais cedo para poder fazer um curso pré-vestibular. Ela se recusou a me liberar dizendo que meu destino era ser empregada doméstica, como todas as mulheres da minha família", afirma.
"Se conseguimos lidar com a limpeza do nosso corpo, por que não podemos limpar o nosso lixo? Por que precisamos de empregadas domésticas?", questiona.
Final feliz
Mas nem todas as experiências como empregada doméstica foram negativas: Joyce diz lembrar-se do apoio que recebeu de uma ex-patroa."Um dia estava limpando a prateleira de livros e ela me emprestou um deles. Era 'Olga', do escritor Fernando Morais. Ela me incentivou a retomar os estudos e a fazer a faculdade de História que eu tanto queria", diz.
Além de lecionar, Joyce criou um projeto de empoderamento de mulheres acima do peso, a Ocupação GGG ("fizemos um ensaio na praia de Santos para combater a gordofobia"). E também usa a música como instrumento de mudança social.
"Tenho um projeto pedagógico pelo qual levo o hip hop para as escolas falando sobre questões sociais dentro de uma abordagem mais pessoal", afirma.
"Prefiro usar meu microfone para cantar ou recitar a fazer discursos. Acredito que consiga envolver mais pessoas", conclui.
copiado http://www.bbc.com/portuguese/salasocial
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