A disseminação da bactéria através de torres de refrigeração industrial pode "não constituir crime de poluição com perigo comum
Uma
falha na legislação referente ao Ambiente está a comprometer o processo
judicial relativo ao surto de legionella ocorrido em Vila Franca de
Xira, em novembro de 2014, que matou 14 pessoas e infetou 403. É a
própria Polícia Judiciária que, no relatório final da investigação a que
o DN teve acesso, admite que a "disseminação" da bactéria através das
torres de refrigeração industrial, "mesmo causando perigo para a vida ou
integridade física", poderá "não constituir crime de poluição com
perigo comum". Isto porque não há legislação específica sobre
fiscalização e verificação da legionella, havendo apenas recomendações.
Quanto ao surto, a Judiciária concluiu que foi um "conjunto de infelizes
omissões coincidentes no tempo" a provocar a tragédia.
A
dificuldade da investigação em "encaixar" a matéria apurada num crime
tem a ver com o facto de o crime em causa apenas punir quem não observar
"disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela
autoridade competente". "Sucede porém que em Portugal a monitorização
das concentrações da bactéria legionella não se encontra contemplada na
legislação específica para a atividade industrial", acrescentaram as
inspetoras Helena Gravato e Maria João Silva, que investigaram nos
últimos dois anos o surto em Vila Franca de Xira.
O
que existe é um documento intitulado "Prevenção e Controlo da
legionella nos Sistemas de Água", da autoria de uma comissão que
funciona junto do Instituto Português da Qualidade (IPQ). E trata-se, no
fundo, de uma recomendação, de um manual de boas práticas, sem força de
lei, porque, como referem as inspetoras da Polícia Judiciária, "até
hoje não foi encetado qualquer processo legislativo para a área dos
sistemas de arrefecimento industriais".
Restará
assim ao Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa uma
eventual acusação às empresas Adubos de Portugal e General Eletric
(ambas já constituídas como arguidas) pelo crime de "infração de regras
de construção, dano em instalações e perturbação de serviços",uma vez
que este crime prevê a violação de "técnicas", além de normais e
disposições legais.
A investigação da
Polícia Judiciária acabou por repartir responsabilidades entre quadros
da empresa Adubos de Portugal (AdP), cuja torre n.º 8 foi identificada
como principal foco de legionella, e da General Eletric (GE), empresa
contratada pela AdP para a fiscalização e monitorização das torres de
refrigeração.
É sobre esta última - que
o DN não conseguiu contactar através dos vários números disponíveis no
seu site - que recaem as principais suspeitas, sobretudo relativas à
fiscalização e monitorização das torres de refrigeração. Segundo a PJ, a
GE "aceitou prestar serviços que não correspondiam à sua exigência de
qualidade, ao ponto de ser o cliente, a AdP, a exigir que do contrato
constassem análises trimestrais à legionella". Porém, apesar desta
cláusula, a Judiciária afirma que a empresa durante a vigência do
contrato "não procedeu a qualquer análise para a deteção de legionella".
Ainda
por cima, como resulta da investigação, em outubro de 2014 (um mês
antes do surto), a AdP efetuou uma paragem na sua produção para limpeza e
desinfeção dos circuitos. Cientificamente, este tipo de paragens "é um
momento crítico para o desenvolvimento de bactérias e outros
microrganismos". Ora, a Judiciária apurou que a 10 de outubro de 2014
(data da paragem da fábrica), um técnico da GE "absteve-se de realizar
os necessários tratamentos". "Tendo em conta que a paragem é um momento
crítico para o desenvolvimento de bactérias, cabia à GE, como
contratualizado com a AdP, proceder às inspeções às instalações tidas
por necessárias", concluiu a investigação.
Quanto
à AdP, as inspetoras da PJ começam por criticar o facto de a
contratualização de serviços à GE não incluir a "aplicação periódica de
biodispersante e desinfeções preventivas aquando das paragens
programadas".
A empresa de adubos é
ainda criticada por, apesar de subcontratar serviços de limpeza e
desinfeção, ter a "obrigação, enquanto proprietário, de conhecer os
procedimentos de limpeza e desinfeção a contratar". Sobretudo, continuam
as inspetores, deveria saber ser necessário a contratação da "aplicação
de biodispersante, única forma de controlar o desenvolvimento do
biofilme", isto é, onde a legionella se aloja e desenvolve.
A AdP não quis comentar o relatório da Judiciária, aguardando por uma decisão do Ministério Público sobre o caso.
copiado http://www.dn.pt/portugal/interior/
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