CNJ garante a juiz afastado, que não mora na comarca, auxílios moradia e alimentação
Marcelo Auler
Trata-se de uma situação inusitada. Afastado da 1ª Vara de Xinguara, no sudeste do Pará, desde outubro de 2014, para responder a Processo Administrativo Disciplinar (PAD) no qual é acusado de cobrar R$ 300 mil por uma sentença, conforme denunciou a OAB-PA, o juiz José Admilson Gomes Pereira, não é mais visto na cidade. Ainda assim, em decisão no último dia 9, só divulgada semana passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por maioria e contra o voto do relator, conselheiro Rogério Nascimento, decidiu que Gomes Pereira tem direito aos auxílios moradias e alimentação.A decisão foi tomada com base no voto dissidente do conselheiro Lélio Bentes Correa, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ele recorreu à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e a decisões anteriores do próprio CNJ, bem como ao Regimento Interno do TJ/PA, Com base nelas, monocraticamente, determinou ao mesmo Tribunal de Justiça do Pará o pagamento dos dois auxílios a magistrado também afastado por PAD. Seu voto transcreve o parágrafo 3º do artigo 27 da Loman:
“§ 3º – O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.”No entendimento do conselheiro relator, o procurador regional da República do Rio Rogério Nascimento, a decisão deveria ser outra, de não pagar. Ele admite que o CNJ tem decisões oposta à que propôs, mas, quanto a isso, advertiu que o plenário tem condições de rever posição, quando ela “se mostra fonte de incongruências e incompatível com os princípios constitucionais e infraconstitucionais”. No voto recusado pelos demais conselheiros, ele expôs:
(…) “muito embora no bojo do Pedido de Providências nº 0003742-38.2015.2.00.0000, cuja a matéria é similar, este Conselho tenha ratificado a liminar que restabeleceu o auxílio moradia da magistrada afastada, sob o fundamento de que a Resolução 199/2014 do CNJ não teria contemplado a suspensão em razão de instauração de PAD, entendo que esta não é a melhor interpretação legal.
Ora, quando um precedente se mostra fonte de incongruências e incompatível com os princípios constitucionais e infraconstitucionais, é plenamente possível e aconselhável a sua superação. Tanto que até mesmo os enunciados de súmula vinculante são passíveis de cancelamento e revisão, na forma dos arts. 2º e 3º da Lei nº 11.417/07.
Essa é a hipótese dos autos. Um modelo de interpretação do direito orientado pela busca do justo não pode conviver com a aplicação mecânica dos precedentes e nem tampouco com a interpretação literal das normas.“
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CNJ garante a juiz afastado, que não mora na comarca, auxílios moradia e alimentação
Marcelo Auler
Trata-se de uma situação inusitada. Afastado da 1ª Vara de Xinguara, no sudeste do Pará, desde outubro de 2014, para responder a Processo Administrativo Disciplinar (PAD) no qual é acusado de cobrar R$ 300 mil por uma sentença, conforme denunciou a OAB-PA, o juiz José Admilson Gomes Pereira, não é mais visto na cidade. Ainda assim, em decisão no último dia 9, só divulgada semana passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por maioria e contra o voto do relator, conselheiro Rogério Nascimento, decidiu que Gomes Pereira tem direito aos auxílios moradias e alimentação.A decisão foi tomada com base no voto dissidente do conselheiro Lélio Bentes Correa, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ele recorreu à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e a decisões anteriores do próprio CNJ, bem como ao Regimento Interno do TJ/PA, Com base nelas, monocraticamente, determinou ao mesmo Tribunal de Justiça do Pará o pagamento dos dois auxílios a magistrado também afastado por PAD. Seu voto transcreve o parágrafo 3º do artigo 27 da Loman:
“§ 3º – O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.”No entendimento do conselheiro relator, o procurador regional da República do Rio Rogério Nascimento, a decisão deveria ser outra, de não pagar. Ele admite que o CNJ tem decisões oposta à que propôs, mas, quanto a isso, advertiu que o plenário tem condições de rever posição, quando ela “se mostra fonte de incongruências e incompatível com os princípios constitucionais e infraconstitucionais”. No voto recusado pelos demais conselheiros, ele expôs:
(…) “muito embora no bojo do Pedido de Providências nº 0003742-38.2015.2.00.0000, cuja a matéria é similar, este Conselho tenha ratificado a liminar que restabeleceu o auxílio moradia da magistrada afastada, sob o fundamento de que a Resolução 199/2014 do CNJ não teria contemplado a suspensão em razão de instauração de PAD, entendo que esta não é a melhor interpretação legal.
Ora, quando um precedente se mostra fonte de incongruências e incompatível com os princípios constitucionais e infraconstitucionais, é plenamente possível e aconselhável a sua superação. Tanto que até mesmo os enunciados de súmula vinculante são passíveis de cancelamento e revisão, na forma dos arts. 2º e 3º da Lei nº 11.417/07.
Essa é a hipótese dos autos. Um modelo de interpretação do direito orientado pela busca do justo não pode conviver com a aplicação mecânica dos precedentes e nem tampouco com a interpretação literal das normas.“
Curiosamente,
ao regulamentar o Auxílio Alimentação criado pela Lei 8.460, de 1992, o
Decreto 3.887, de agosto de 2001, estipulou no seu artigo 1º que o
beneficio “será concedido a todos os servidores civis ativos da
Administração Pública Federal, autárquica e fundacional,
independentemente da jornada de trabalho, desde que efetivamente em exercício nas atividades do cargo”.
Determinou ainda que “o servidor fará jus ao auxílio-alimentação na proporção dos dias trabalhados“. Por fim, no seu artigo 2°, o decreto deixou claro que o auxílio não será “incorporado ao vencimento, remuneração, proventos ou pensão“. (grifos do blog).
Em 2004, a Emenda Constitucional 45 criou o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foi uma resposta às críticas ao
corporativismo da magistratura e à necessidade de se exercer um controle
social sobre o único dos três poderes que não se submete ao voto
popular. O Conselho tem por objetivo padronizar a administração dos
diversos tribunais (estaduais, federais, comuns, especializados) e, ao
mesmo tempo, exercer um papel de controle disciplinar e correcional.
Apesar de todos estes bons propósitos,
decisões com esta adotada na sessão do dia 9 acabam demonstrando para a
população o corporativismo que o Conselho deveria justamente evitar.
Na votação, o conselheiro José Norberto Lopes Campelo, ao acompanhar o
voto dissidente, declarou sua posição pessoal contrária à concessão,
mas sentiu-se sem alternativa de decisões anteriores do plenário. “Não
resta outra alternativa que não seja sua concessão nos exatos termos em
que concedida a todos os magistrados brasileiros, não sendo possível a
distinção proposta pelo Eminente Relator, ainda que se configure em
medida moralizadora”.Ou seja, o próprio conselheiro admite que a decisão possa ser até legal, mas não é moral, quando fala que a proposta do relator se configura “medida moralizadora”.Mesmo afastado, Gomes Pereira continua recebendo seu salário. Apesar da exigência do CNJ de transparência, no site do Tribunal de Justiça do Pará não se encontra a folha de pagamento dos servidores e juízes. Consta apenas que magistrados como ele, na 2ª entrância, recebem bruto R$ 26.924. No seu caso, dinheiro que os contribuintes lhe pagam para não fazer nada. Com a decisão do CNJ, ele receberá retroativamente – 24 meses (desde outubro de 2014) – os auxílios moradia e alimentação. Como falta transparência na Justiça paraense não encontramos no site o valor de ambos. Recorremos à coordenadoria de imprensa do TJ-PA, mas nenhuma resposta nos foi dada depois de 24 horas do pedido.
Tomando por base informações que constam do processo disciplinar, pela Lei Estadual 5008/81 , o Código Judiciário do Pará, o valor do auxilio-moradia é equivalente a 10% do vencimento do magistrado, o que daria algo em torno de R$ 2,690 mensais. Cerca de R$ 65 mil a serem pagos ao juiz pelos 24 meses que o CNJ lhe garantiu.
Há, porém, uma Ação Popular, ajuizada pelo presidente do Sindicato dos Servidores de Segunda Instância do Estado de Minas Gerais (Sinjus), Wagner de Jesus Ferreira, que questiona o pagamento de auxilio-moradia no Supremo Tribunal Federal (STF) como se constata em: Ação popular pede ao STF para barrar auxílio-moradia aos magistrados . Nela consta que os magistrados recebem em torno de R$ 4.300 mensais a título de auxílio moradia. Este seria o valor máximo admitido por resolução do CNJ. Se ele também estiver em vigor no Pará, superando a lei estadual, o juiz que está afastado, não trabalha e sequer é visto na comarca onde está lotado, receberá alguma coisa em torno de R$ 103 mil apenas a título de auxílio moradia. Ou o equivalente a 109 salários mínimos.
Um
segundo argumento do conselheiro Lélio no seu voto que foi acolhido
pelo plenário do CNJ é de que este afastamento do juiz é cautelar e que
ele pode até provar sua inocência e retornar ao quadro. O Processo
Administrativo Disciplinar corre em segredo de justiça mas, por tudo que
já foi divulgado, deduz-se que seja difícil o juiz voltar. Em Xinguara
correu solto o comprovante de um depósito de R$ 70 mil feito na conta
bancária dele.
Curioso é que este processo disciplinar
– 000337463.2014.2.00.0000 – de outubro de 2014, segundo o próprio site
do CNJ, foi prorrogado por 140 dias em março de 2015 – Ampliado prazo de processo envolvendo juiz do Pará. Portanto,
deveria estar concluído em setembro do ano passado. Decorrido um ano do
fim do novo prazo, não foi julgado. Ele consta das pauta da sessão do
próximo dia 27 de setembro, a próxima quarta-feira (veja ilustração ao
lado). Mas, quem acompanha de perto o caso sabe muito bem que entrar na
pauta não é garantia de por fim ao processo, pois ele já esteve nela por
diversas vezes e na hora da sessão foi deixado de lado.
Na sessão que analisou o pedido que o juiz
fez para receber os auxílios, o conselheiro Lélio argumentou no voto
dissidente que se transformou em voto vencedor:
“a mais importante consideração a fazer, nesse
sentido, é que a decisão sobre o afastamento cautelar do magistrado em
decorrência de instauração de processo disciplinar é
medida preventiva, precária, revogável a qualquer tempo. Por essa razão,
a decisão de descontar o valor dos auxílios moradia e alimentação das
verbas recebidas pelo magistrado afastado, sem respaldo legal e sem a
efetiva comprovação de sua responsabilidade disciplinar, configura
inegável antecipação da culpa e da própria pena, hipótese inadmitida em
nosso sistema jurídico“.Na verdade, se o servidor não trabalha, não precisa receber auxilio-alimentação, afinal, estará comendo em casa, teoricamente. Quanto ao auxilio-moradia, este, por si só, é uma aberração quando pago indiscriminadamente. Deveria valer, apenas e exclusivamente, aos servidores removidos das cidades onde residem, ou onde prestaram seus concursos. De qualquer forma, já que a aberração existe, quando o servidor é afastado, só deveria fazer jus, quando muito, permanecendo na cidade em que está lotado. Do contrário, sem trabalhar, acaba indo para a sua casa própria – admitindo-se que ele foi afastado da cidade em que residia – recebendo um auxilio que ele não usará em gastos com moradia. Isto não se assemelha a enriquecimento ilícito? Ele pagará imposto por este dinheiro que não é considerado remuneração, mas contribuirá para o aumento do seu patrimônio?
Não seria válido, porém, que o CNJ, criado para colocar ordem na casa, partisse para um entendimento diferente em favor do bem público? Assim, ele decidiria no sentido de todo e qualquer magistrado e outros membros do Judiciário afastados por processo administrativo, os quais, portanto, não estarão trabalhando, tenham estes pagamentos suspensos. Afinal, teoricamente, eles não dependem desta verba para sobrevier. Depois, provada a inocência, o servidor automaticamente receberia os auxílios que deixaram de ser pagos em um cálculo que utilizaria o valor mais atualizado dos benefícios.
Cabe aqui destacar a posição defendida
pelo conselheiro Rogério Nascimento, nitidamente em defesa do patrimônio
público, ainda que contrária a julgados e interpretações anteriores,
tentando um melhor entendimento das resoluções do CNJ que falam apenas
em pagamento dos vencimentos no caso de magistrados afastados por PADs,
sem se referir aos auxílios:
“Não se pode conceber que este Conselho (…) consciente das necessidades do poder judiciário e das atuais controvérsias sobre a remuneração dos magistrados, tenha se mantido silente por descuido ou má técnica. Por óbvio, ao não mencionar “demais auxílios” ou “demais parcelas financeiras”, ou qualquer outra expressão que equivalha, o fez ciente de que tais benefícios eram restritos aos magistrados em efetivo exercício.“
Nascimento ainda lembrou que
pela Resolução nº 199/2014, pode-se extrair a interpretação de que a
percepção do auxílio-moradia só é possível nas hipóteses em que o
magistrado encontra-se em “pleno gozo das funções” – diferentemente da situação do magistrado afastado cautelarmente, que estaria em “inatividade remunerada”.
Mas, o plenário entendeu de forma
diversa e acabou apoiando um pagamento que, certamente, na cabeça dos
contribuintes, não é devido. Cabe agora alguém do CNJ ir explicar esta
decisão ao povão. Poderiam começar em uma fila qualquer de
desempregados, ou junto aos servidores públicos que estão tendo atrasos
nos pagamentos de salários, com os quais, na maioria das vezes, pagam o
aluguel da casa onde moram e o feijão com arroz do dia-a-dia.
copiado http://www.marceloauler.com.br/
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