A imolação da História Conhecimento que não gera dinheiro rápido é uma bobagem, não é? “Eu só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”, canta o hino dos tempos neoliberais. Olhar sobre o passado, para eles, não é aprendizado, é perda de tempo, quando não sentimentalismo romântico, próprio de fracassados e inúteis. O Reichstag do “equilíbrio fiscal”

imolação da História

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Sem telhados e os pisos de madeira, com grande parte do seu imenso acervo em em cinzas, o Museu Nacional segue, neste momento, cumprindo a sua função: a de nos mostrar que é preciso conhecer o que fomos e refletir sobre onde nos leva a trajetória humana, especialmente a brasileira.
Olhar para suas ruínas é olhar para um país que está se consumindo pelo descaso com o que é seu, uma terra na qual os cupins do “corta, corta” destroem tudo para alimentar a fogueira financeira onde somos queimados e que ontem lançou suas labaredas sobre o museu, seus guardados e suas pesquisas que, teimosamente, insistiam em continuar.
Afinal de contas, para quê, se destas pesquisas não saem softwares, gadgets, tecnologias para startups?
Conhecimento que não gera dinheiro rápido é uma bobagem, não é? “Eu só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”, canta o hino dos tempos neoliberais. Olhar sobre o passado, para eles, não é aprendizado, é perda de tempo, quando não sentimentalismo romântico, próprio de fracassados e inúteis.
Os pesquisadores que andavam por lá, a estudar fósseis, coleções de insetos ou esqueletos milenares não têm, afinal, SUVs, não torram em champagne nas baladas, não “agregam valor”, na visão argentária da gente míope que nos governa e, sobretudo, que domina o olhar da sociedade.
Saber, mesmo, é saber ganhar dinheiro e até por isso apontam como os que devem dirigir o país o apresentador e o promoter bem-sucedidos como os mais capazes de nos dirigir, ou então os “candidatos do bilhão” que sabem tudo o que é preciso saber: ganhar dinheiro.
Afinal, herança que interessa são fazendas, apartamentos, investimentos que se acumulam, para produzir gerações de inúteis que deles vivam, além de uma camada de executivos que isso cuidem e façam render.
Não faltará logo quem proponha uma “parceria-público-privada”, para cuidar da velharia em troca dos ingressos, dos royalties de marcas e de souvenirs para, quem sabe, rebatizar o que sairá daquelas cinzas como “Palácio Itaú de História”.
Não sei se, no mundo dos fatos, o fogo veio de uma emenda de fios desencapada, de uma lâmpada em curto, de um acidente, fortuito, que o descaso fez virar tragédia.
Cá comigo acho que, no mundo dos símbolos, que usam os fatos como matéria-prima, o velho prédio imolou-se, resolveu arder em chamas contra a burrice, contra o obscurantismo, contra a estupidez dos cupins cortadores que, a esta altura, devem estar achando que aquilo ocorreu porque era um prédio antigo, ultrapassado, inútil.
Como é ultrapassada e inútil a História.
Tal e qual um budista, impávido, o velho prédio imolou-se para que todos vissem arder de súbito, em chamas e calor, a destruição fria e indiferente em que o queimamos durante décadas.
Exatamente como fazemos com o Brasil.

O Reichstag do “equilíbrio fiscal”

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Os que não são do Rio e não o conhecem, talvez não possam fazer ideia do que arde, neste momento, na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, junto ao centro do Rio.
Não é apenas o prédio histórico que abrigou a corte portuguesa, logo depois de sua chegada ao Brasil, em 1808.
É um dos maiores acervos museológicos da América Latina.
Imensas e detalhadas coleções de fósseis, mas também de animais e vegetais do presente (ou quase, pois muitos já não se podem encontrar mais, agora).
Há muito tempo uma bomba-relógio: prédio de mais de 200 anos, com estruturas de madeira, fiações em “gambiarra”, fechando uma após outra as salas de pesquisa e de exposição, deterioradas.
Bomba mesmo, porque algumas coleções são guardadas em álcool, como têm de ser, fazendo de cada  pote um explosivo.
E, de uns tempos para cá com o gatilho armado, com o corte de verbas essenciais.
Os tecnocratas dos cortes do Orçamento dão de beiço quando ouvem falar num museu, onde pensam que estão guardadas coisas mortas, mas que é onde se guarda exatamente o contrário: a vida.
Não, para eles não importa o que sente o guri dos anos 60, que entrou ali, levado pelo pai, que lhe apresentava o mundo dos mistérios das múmias; nem o depois pai, e que, no milênio, sentiu orgulho em ser levado pela mão da filha, pesquisadora da instituição, a ver e mostrar ao irmão, criança, a maravilha de saber  da complexidade da existência humana.
De alguma forma, o incêndio do Museu Nacional é o nosso incêndio do Reichstag, o parlamento alemão incendiado que marca  o poder absoluto do nazismo, apenas o corolário nojento e chocante de um processo em curso.
Morte à ciência, ao conhecimento, ao sabermos que viemos de muito longe e de diversas formas de existir.
Nunca faltou dinheiro para os museus do amanhã, do depois do amanhã, do porvir,  dos museus que pretendem adivinhar o que seremos de acordo com as forças e tecnologias que nos governam e das empresas que nos dominam.
Àquilo de onde viemos, às nossas raízes como espécie e como civilização, fogo!
Que mal há em que se perca o acervo real, material e palpável?
Logo os substituirão por hologramas e videos, como se as ideias humanas não prosseguissem para além das lápides e não fizessem a História.
As chamas do Museu Nacional são apenas o retrato chocante do que se deliberou  fazer: incinerar um país para que o os valores do equilíbrio fiscal, como Nero,  possam reinar absolutos.
COPIADO  http://www.tijolaco.com.br/b

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